domingo, 15 de dezembro de 2013

"Sete menos sete ainda são zero..."


Era pra ser só mais um domingo. Era pra ser só mais um dia quinze sem importância nenhuma na minha vida, era pra ser só mais um dia, dez dias distante do natal, um domingo quente e tedioso típico de Três Lagoas. Mas não foi...
Eu lembro quando você chegou em casa, eu lembro de quando eu te resgatei daquela vizinha filha da puta que ficava te jogando água, eu lembro da sua primeira refeição, da sua primeira água, do seu medo, do jeito que você gritava e falava, do jeito que você era carinhosa e percebia quando eu estava mal, eu lembro de você pulando no meu colo com esse olhar tosco de gato chato e um olho a menos. Eu lembro da sua mãe te segurando no colo e te fazendo carinho enquanto nós três ficávamos deitados na cama e eu falava pra ela parar de encher seu saco. Você era forte, porra...

Agora eu estou aqui, sentado, totalmente desolado, no lugar onde você dormia à tarde toda e daqui eu tenho a visão que você tinha. É só fechar um olho. Sua tonta. Eu te falei, eu te avisei pra não ficar brigando na rua, pra voltar pra casa mais cedo, pra não desperdiçar suas sete vidas, mas nunca parei pra pensar que era eu quem estava desperdiçando meu tempo em não ficar mais contigo, em não te incomodar quando você estava quieta. Sua ciclopinha maldita... Agora eu não vou ouvir mais você miando, nem ronronando, eu não vou mais sentir você se enroscando na minha perna, nem vou sentir você se debatendo em baixo da coberta pra tentar sair de lá, ou pulando na minha cama e me encarando como quem diz "Vai, dá um espaço ai pra eu deitar."

Eu não tenho o que dizer, ou escrever, ou nada. Eu não encontro nenhum jeito de me expressar com relação a sua ida e eu só espero que você agora possa caçar feliz e correr alegre. Posso não ter fé, mas tenho imaginação e isso me basta. Me basta pensar que você está bem e alegre e correndo, comendo uns calangos, pegando umas pombas, ronronando por ai, fugindo de cachorros lentos de mais pra te pegar e subindo em árvores. Falar em árvore, eu estava lembrando do primeiro dia que você encarou a Mitcha, saiu correndo pra cima do cajueiro e ficou presa lá, miando assustada... E eu ria... Eu sempre ria, você sempre foi motivo de riso e orgulho pra mim. E foda-se qualquer um que diga que você era só um gato, não era. Você era uma filha pra mim, porra. E filhos não devem morrer antes dos pais. Seria melhor se você viesse de fábrica com um contadorzinho de vidas em cima da cabeça, porque ai eu veria que só lhe faltava uma e ia te trancafiar em casa. Mas a culpa não é sua, não é minha, não é nem do gato persa do vizinho que te engravidou, nem de Deus ou do diabo. Não há culpa, não há nada, não há você, não há ronronar ou miado ou olhar caolho ou tapa olho ou seus gritos de "Aaaaaaaarh! Malditos calangos!" não existe mais a opção de te ver pulando em cima dos filhos da Leia - e ela ainda nem sabe da sua morte, eu preciso contar, mas nem sei como... - e ensinando eles a dar um triangulo ou um arm lock voador felino usando o rabo pra enforcar o inimigo. Eu queria poder fazer "Psit psit psit psit!" e te ouvir miando ao longe como quem diz "Já vou, caralho... Para de me chamar..." com aquela sua cara emburrada, sem os bigodinhos. Você era feia pra caralho, sabia? É sério... Mentira, não é não. Você era uma das coisas mais lindas que já atravessaram minha vida e a hora que o veterinário fez aquela cara de pai que diz pro filho que não existe papai noel eu me senti atingido por um raio, bem no meio do meu peito. Eu senti vontade de sair dali, de gritar, de quebrar alguma coisa, de chorar... Mas tudo bem. Vá em paz meu amor, vá em paz e saiba que nós todos te amamos, até mesmo a Mitcha.

Eu vou abrir uma garrafa de rum e sair por ai pra saquear alguma coisa em sua homenagem.