segunda-feira, 21 de outubro de 2013

XXI

E o relógio virou e o dia começou. Dia 21 de um outubro o qual eu desejei que acabasse como um adolescente desejando o fim daquela aula chata de português no último período da sexta-feira, o adolescente que está louco pra voltar pra casa, tomar um banho e ir para aquela lan house de sempre, reencontrar os amigos de sempre, jogar os jogos de sempre, ouvir os gritos, os uivos, os chingamentos e toda aquela patifaria que sempre acontecia toda sexta-feira.
O dia começou naquela zero hora de sempre, como todo dia que começa e eu não senti nenhum arroubo mágico espontâneo, só uma leve tristeza que começou a se formar na boca do meu estômago. O que que eu fiz nesses últimos vinte e um anos? O que eu fiz desde o meu último aniversário?

De vinte anos pra cá? Foram paixões e mais paixões, foram amores impossíveis e possíveis, foram textos e aventuras, foram coisas anormais e dias de tédio, foram tombos, cortes, cicatrizes, amigos feitos nos mais diversos lugares, de lan house de cidade pequena à micareta em Santos. Nesses vinte e um anos eu visitei um país pro qual eu desejo voltar um dia, amei intensamente - e verdadeiramente - duas mulheres as quais me amaram de volta - ou pelo menos assim espero. Joguei horas e horas na frente de um computador, perdi dois anos da minha vida jogando Tibia, cursei o ensino médio inteiro, entrei pra uma universidade federal, escrevi mais de quinhentos textos, fiz um vídeo fazendo strip, pesquei uns quatro ou cinco tucunarés, rasguei a vela de um barco, desci um rio numa canoa, acampei no meio do mato, acampei no quintal, acampei numa varanda, fiz serenata pela web cam, ganhei dinheiro pra voltar pra casa tocando violão, gravei uma versão de uma música do Raça Negra em MPB/Bossa, transei em becos, tomei porres dos quais eu não me orgulho, fui pescado por um peixe, vomitei, vomitaram em mim, cortei meu dedinho esquerdo, quebrei meu dedinho direito, fui atacado por um puddle, comi carne de jacaré, voei.
Atravessei vidas como se eu fosse um raio, entrando em um dia e saindo no dia seguinte, me apeguei rápido e me desapeguei duas vezes mais rápido, me perdi entre coxas, pés, peitos e lábios.
Criei duas gatas, tive uns três cachorros, tomei banho de rio, tomei banho de mar, tomei banho. Tive crise de gastrite, admirei a lua, fui admirado pela lua - nu, num quarto, num calor infernal, bem acompanhado - brinquei de carrinho, construí naves de Lego, zerei Call of Duty Modern Warfare 1 e zerei o 2 também. Fui pra feudal age em 10 minutos, completei a campanha dos humanos no Warcraft, virei crente, virei budista, virei ateu, satanista, católico, ateu de novo e hoje sou lucaísta assumido.

Quebrei corações, tive a cara quebrada - metafórica e realmente. Vivi. Foram vinte e um anos vivendo, com altos e baixos, com amores e desamores, com choros e risos e não tenho vergonha de dizer que foram mais choros. Me apaixonei perdidamente na adolescência por uma menina que praticamente não fazia questão da minha existência, não fiz questão da existência de uma menina que era apaixonada por mim durante a adolescência dela.
Fui alvo de macumba acidentalmente, fui alvo de tiro ao alvo, fui alvo de chacota, fui alvo de bullying, fui alvo. Joguei Bomber Man, zerei o Super Mário sem estrela, zerei Mega Man X também. Passei o carnaval em Minas. Joguei Carué. Joguei futebol - uma vez, pra nunca mais. Tentei andar de skate, corri de bicicleta, corri apé, corri. Destruí um joelho saltando do telhado de um banheiro só pra pagar de macho. Dancei até o chão em baladas orientais, com mulheres, homens e coisas que a gente não consegue distinguir.
Chorei por amores terminados, por amores não concluídos, chorei de solidão, chorei porque matei uma lagartixa com uma daquelas arminhas que disparavam bolinhas de plástico, chorei porque minha irmã foi pro México, chorei porque estava longe da família, chorei porque não tinha motivo pra sorrir, chorei porque eu queria chorar e chorei mais um pouco quando me deparei com uma situação na qual eu achava que a vida ia me foder mais um pouco.
Fui pro Hopi Hari, fiz aulas de teatro, aprendi a falar inglês, compus algumas músicas, tentei escrever uma história em quadrinho, aprendi a pilotar uma moto, aprendi a dirigir.
Passeei de mãos dadas na Paulista numa tarde de domingo. Já assisti filme pornô. Já quis ser ator pornô, mas ai olhei no espelho e desisti. Já quis ser ator, ainda não desisti...
Corri pelado na rua. Agarrei mulher de amigo. Traí. Fui traído. Eu fiz praticamente tudo o que as pessoas da minha idade já fizeram, tive uma vida normal, tranquila, pacata.
Fui consolado, deitado em posição fetal, chorando feito uma criança de oito anos depois que o sorvete cai no chão. Já fui surpreendido ao chegar em casa no meu aniversário de dezenove anos. E é engraçado porque hoje eu cito a mim mesmo com dezenove anos e vejo um moleque, mas eu sou um moleque. Um homem que se negou a crescer. Um homem que queria abandonar a terra firme pra abraçar o mundo e ficou preso em uma cidade no interior, uma cidade dentro dele mesmo. E agora eu faço vinte e um anos. Vinte e um. Não tem festa, não tem bolo, não tem comemoração, não tem uma mulher semi nua me esperando no meu quarto com uma garrafa de vinho na mão, não tem um monte de gente me esperando pra encher a cara, o que tem sou eu. E eu me basto, é claro. Ou pelo menos é isso que eu gosto de pensar.

E agora, quais os próximos passos? O que fazer nos meus próximos vinte e um anos? Não sei, sinceramente eu não sei. No últimos meses eu assumi responsabilidades, comigo mesmo, as quais eu não cumpri. Talvez esses seja um bom lugar por onde começar. Onde eu quero estar daqui um ano? Quais minhas metas, quais meus objetivos? A reposta a qual eu posso dar, no momento é: Viver. Porque é só assim que eu vou poder chegar em algum lugar, vivendo. E vivendo eu vou, afinal de contas vinte e um anos não é nada pra quem ainda vai viver mais uns cento e quarenta e tantos.