quarta-feira, 31 de julho de 2013

"Sobre o direito de não confiar."

Ontem eu estava fazendo meu papel de psicólogo pra uma amiga minha e fiquei pensando cá comigo sobre as questões da confiança humana e me deu vontade de escrever, afinal de contas faz um bom tempo que eu não faço isso e vez ou outra me faz falta.

É estranho isso, mas a confiança é - de longe - uma das piores coisas que o ser humano inventou. O padrão de confiabilidade no qual fomos acostumados a acreditar é algo tão mesquinho, limitante e ruim que me dá um certo calafrio quando alguém fala "Ok, eu confio em você."
Eu vou explicar e você vai entender e tudo vai ficar claro e caso você discorde é só me chamar pra beber e me pagar um suco de laranja que tudo se resolve.

A questão é simples... O que é confiar? É, aparentemente é complicado de explicar né? Mas se você parar pra pensar é simplesmente o habito ou o ato de você olhar para uma pessoa e tentar prever todas as ações que ela pode, possivelmente, tomar e definir - na sua própria cabeça, muitas vezes - quais dessas ações te machucarão e quais agradar-te-ão. E é com base nisso que a maioria das pessoas montam suas relações. Seja no âmbito pessoal, profissional, amoroso, sexual, whateverual. Você sempre prejulga alguém e cristaliza essa pessoa, você coloca um rótulo nela e guarda ela em uma caixinha e toda vez que olhar pra ela vai pensar que ela pode fazer x, y ou z, mas nunca j.

Vou usar a Maria e o João pra dar um exemplo mais concreto...
A Maria acha que o João é um cara legal e fofo e ouvia ele dizer que não era muito fã de banana, na verdade um dia a Maria ofereceu uma banana pro João e ele disse "Náááá. Não gosto..." e desde então a Maria colocou em seu cérebro a seguinte informação "João não gosta de bananas." e ficou por isso mesmo.
Um belo dia ela chegou em casa e adivinhem só... O João estava lá, sentado no sofá, com o controle do Super Nintendo em uma mão e comendo uma banana com a outra, com aveia, neston e mel! A Maria ficou puta, porque comer banana era uma atitude que estava fora do padrão de ações as quais - segundo ela - o João tomaria. Na cabeça dela, ele nunca comeria uma banana e ponto final. Por esse motivo ela se sente traída e comenta com uma amiga "Agora eu vou ficar de marcação cerrada em cima dele! Perdi a confiança..." e ai começa a confusão toda, porque ela começa a fuçar as sacolas do João quando ele volta do supermercado pra saber se ele está trazendo banana, ela faz comentários envolvendo banana de vez em quando só pra ele se lembrar do erro que cometeu, ela fica de olho pra saber se ele está assaltando a fruteira de madrugada pra pegar uma banana e ir comer no quintal. Ou seja, ela não perdeu a confiança, ela está simplesmente caçando mais motivos para ficar nervosa com ele e usando uma "Quebra de confiança" como desculpa. Isso tem um nome muito simples e que ninguém aceita, porque ninguém que é possessivo ou dominador ou ciumento de mais consegue entender a patologia na qual se encontra e vai aceitar muito menos o fato de que ele é emocionalmente masoquista... E sim, estou sendo literal, o ciumento em nada difere do cara que quer que a namorada amarre ele na cama e dê uma surra com uma vara de bambu até a bunda dele ficar em carne viva. Em nada.

A confiança não se perde, quando ela é "Quebrada" ela só aumenta. Note que estou usando a confiança aqui como essa prisão mental e emocional onde a Maria estipulou uma meia dúzia de vários cenários apocalípticos nos quais o João faria algo que a machucaria. Ela reduziu ele a algo o qual ela podia guardar no bolso, ela esqueceu que ele era um ser humano e que por ser assim pode mudar de opinião no segundo seguinte. Ele pode até deixar de ser ele. O ser humano muda.

E por que deu-se toda essa confusão? Por que o João mentiu no princípio dizendo que não gostava de banana ou por que a Maria criou expectativas em cima de uma pessoa que ela cristalizou como sendo de um jeito sem parar pra pensar que ela podia ser de outro? A expectativa, a tentativa de previsão, a "confiança" é o que fode tudo.

Ok, Lucas... Você é um cara com seus vinte anos de idade, não entende porra nenhuma da vida, teve meia dúzia de relacionamentos os quais todos fracassaram em algum ponto, tem um caso de amor que é tão simples, mas tão simples que você - e Ela - se vêem obrigados a colocarem pontos obscuros no meio da relação só pra evitar que o excesso de simplicidade os force a querer viver a vida um pro outro e só, como já aconteceu. Um cara como você, vindo de um lar onde os pais dizem "Faz o que tu queres há de ser tudo da lei." não tem muita autoridade pra me dizer como levar ou não a minha vida. Certo?
Certíssimo. Eu não estou tentando te convencer de nada, porque eu acho que se você está lendo isso aqui é por algum motivo qualquer que não seja a busca por mudança. Mas é o que eu sempre digo, a minha maneira de ver as coisas não é melhor, não é pior, mas é minha e eu gosto de explicar ela pras pessoas.

E o que se conclui disso tudo? Nada. Eu posso te apresentar um contra exemplo, para te explicar a maneira a qual eu penso e tento levar a vida, desde ontem.
Existia o Tico e a Mia... E eles viviam felizes os dois, Tico e Mia... Tico sabia que Mia era uma pessoa que mudava de vontade, gosto, cor de cabelo, estilo de roupa e preferência sexual junto com as fases da lua e por esse motivo, desde o principio ele evitou de enfiar rótulos nela e no lugar disso ele colocou em seu cérebro um universo em constante expansão onde ele abrigou as ideias que correspondiam a ela. Por isso, quase tudo o que ela fazia o surpreendia. Não havia essa prisão da "confiança". Ela não estava trancafiada por padrões pré estabelecidos de como ela agiria ao longo da vida. O máximo que ele fez foi dizer pra ela que a relação deles tinha certos limites, ele não gostava nem de levar choques, nem de sentir gosto de framboesa na boca dela. Eram coisas que iriam deixá-lo altamente irritado caso acontecesse, mas por motivos pessoais - ele era ex-soldado de uma guerrilha qualquer e ficou preso um tempo, e na prisão ele era eletrocutado o tempo todo e sempre que ele abria a boca pra gritar de dor um dos soldados inimigos enfiava uma mãozada de framboesa na boca dele, pra piorar a tortura.
Ela sabia disso tudo. Portanto, se ela quisesse comer framboesas ela iria avisá-lo que iria fazer isso e escovar os dentes antes de encontrar com ele de novo. Simples assim.

Ah, mas e se ela desrespeitar os limites e tocar o foda-se e resolver que é divertido enfiar choques nele e beijá-lo com gosto de framboesa? Ai ele que se vire com isso... Se quiser pular fora da relação alegando "falta de respeito" ele pode. Está dentro dos direitos dele, os limites são pessoais não rótulos pré concebidos de ações de um cenário apocalíptico... Portanto, se ela cagar no pau e sair desrespeitando esses limites, é só ele sair fora e falar "O moça... Vai pra casa do cacete com essas framboesas... Ok?" e tchau.

A vida é mais ou menos assim. O ser humano muda, alguns mais, alguns menos, alguns muito, alguns pouco, alguns mudam rápido como a opinião do Jabor sobre os protestos, outros demoram mais. O que importa é que todo ser humano muda, você acorda de um jeito e vai dormir de outro, você acorda no dia primeiro de um jeito, no dia trinta e um você é outro, pelo menos em algumas partes. E é isso que fascina, é essa capacidade de ser caótico, de mudar, de não ser só aquilo que as pessoas acham que você é. É isso que faz com que eu me apaixone de vez em quando quase sempre. E é isso. Beijos...