terça-feira, 11 de junho de 2013

"Um pequeno reino de salsichas."

Hoje eu estava andando no pra vender meia dúzia de outdoors, já que agora que eu não tenho mais o que fazer esse se tornou meu divertimento... E nos vai e vem da vida no movimento caótico organizado que existe no centro central dessa grande megalópole situada no interior do Mato Grosso do Sul, eu me deparei com algo que eu não via há eras: a combi de cachorro quente do Tio Ary...

Se você não é de Três Lagoas, com certeza deve estar se perguntando "Que raio de lugar é esse? Quem é esse Tio Ary? Qual a conjectura encantada na qual se encaixa esse grande lorde da sabedoria gastronômica?"

E nesse caso, eu que sou um grande decifrador de mistérios e esclarecedor de dúvidas lhe respondo: Tio Ary, também conhecido como "O rei do molho" é um tiozinho, já falecido, que vendia cachorro quente em Três Lagoas. Foram 30 anos vendendo cachorro quente, ai um belo dia ele morreu... Todo mundo ficou triste pra caralho com isso porque aquele velho era uma marca histórica da cidade, ele merece uma menção honrosa, ele merece ter uma rua com seu nome, uma praça com seu nome. E é sério isso.

Os motivos vão muito além do fato de que durante os trinta anos os quais ele vendeu seu cachorro quente, a receita mudou muito pouco ou quase nada e é repetida hoje pela filha dele que toca o negócio, pão, salsicha, o melhor molho do universo, maionese e batata-palha. A receita do molho é guardada em um cofre à sete chaves, todas mágicas, dentro de uma ilha no centro da lagoa maior - ilha mágica invisível - onde mora uma capivara atroz gigante que foi treinada pela Divisão de Treinamento de Capivaras, Onças e Araras do primeiro batalhão do exército do mato grosso do sul, para fazer a guarda do local.

Ele merece uma menção honrosa e uma rua com seu nome porque durante todo esse tempo não houve um ser humano, três lagoense ou não, que tenha visto aquele homem triste. Era incrível, estivesse sol ou estivesse chuva - sim, aqui chove, um dia no ano. - o homem estava sempre sorrindo, fazendo piada, sacaneando os outros. Rezam as lendas que ele pregava moedas no chão com super bonder só pra ver a molecada se matando pra tentar tirar aquilo dali, ou amarrava linha de pesca em carteira e deixava jogada na frente da barraquinha, só pra sacanear os outros. E ele sempre tinha uma piada nova, dava risada, era feliz, era um homem, moleque, menino de mais de mil milhões de anos. O velho era foda, o velho era um rei mesmo.

E hoje eu passei lá pra comer essa sagrada comida que tem gosto de infância e adolescência. É estranho isso, porque quando eu era moleque e voltava da Wizard, com os ouvidos doendo depois de tanto ouvir a Adma gritar "TO DRIIIIIINK!" nas nossas orelhas, era lá que eu tomava meu lanche da tarde, um cachorro quente e uma coca cola, três vezes por semana. Toda semana. Durante sei lá quantos anos.
Um dia ele morreu... Mas a família continuou tocando o negócio, alguns disseram que o gosto mudou, que a receita mudou, que a maionese não era mais caseira, que isso, que aquilo. Mas não era bem isso, porque já havia um tempo que não era ele quem preparava as coisas, então nada mudou. O que mudou é que a presença daquele velhinho simpático e gente boa que vivia ali não existia mais. E isso fez um mal danado pra Três Lagoas.

E é isso ai, o cachorro quente está tão bom quanto antes, o lugar ainda é lindo, limpo e barato e ainda fica ali, no coração dessa cidade quente igual ao inferno e seca igual... Sei lá o que que é seco igual Três Lagoas, nada...
Portanto, caso você não seja daqui e venha passar um dia, ou vinte, passe lá e coma. E se você é daqui e faz tempo que não come, passe lá e coma. É a melhor coisa do universo, é gastronomicamente nostálgico, é... É o cachorro-quente do Tio Ary, cara. Deu pra entender né?