Existem algumas imagens bem fixadas na minha mente, no fundo do meu córtex ou seja lá qual é a estrutura que armazena coisas no nosso cérebro, chamarei de hd que é mais fácil, é mais próximo das coisas que estão próximas a mim.
Dentre as coisas que estão bem organizadas ali mo meu hd há a chegada de um carro em uma casa próxima ao buracão, numa ruinha de terra, longe do centro lá em Três Lagoas, eu já descrevi essa cena umas milhões de vezes, e pra mim aconteceu ontem. O carro chega e sai alguém de dentro com um ser humano extremamente pequeno nos braços. Nascia ali a maior desgraça da minha vida e algumas das maiores alegrias também, a última peça daquele quebra-cabeça chamado família.
Cresceu e quando eu achei que ela já estava bem grandinha foi lá e cresceu mais um pouco. Só a estatura que ainda é a mesma desde os doze anos de idade, um metro e meio ou menos. O cabelo deixou de ser aquele bombril que era e os dentes voltaram para o lugar. A típica história do patinho feio. Comigo aconteceu também, mas ao contrário.
Passamos bons tempos juntos, outros nem tanto. Brigas, porradas, enforcamentos, cócegas, golpes de karatê na cama da mãe, posição de combate dos power rangers, briga de travesseiro na cama da mãe, pintar com tinta guache na casa de uma das avós, fazer pão com terra, trigo e água na casa da outra. Arrancar a tampa do dedão correndo na rua, cair andando de bicicleta, tomar uns tapas na cabeça pra ficar esperta, aprender a tocar violão. No começo era só uma fedelha estranha que cagava nas fraldas e chorava de madrugada, a pessoa que roubou toda a atenção da casa onde eu morava pra ela.
No começo eu nem sei o que eu sentia, depois passou a ser alguma coisa estranha, amizade, amor, ódio, raiva, mais um pouco de ódio, amor de novo e então veio a admiração, a pagação de pau, o encanto. Sempre foi estranho aos meus olhos ver um ser menor do que eu dar conta de fazer qualquer coisa melhor do que eu e fazer muita coisa. Ainda tenho uma certa raiva por ela ter parado de tocar violão ou ter desistido do teatro, mas é como ela mesma diz "Viver da arte é pra quem nasceu pra arte e eu quero algo menos abstrato."
Ela é física, realista, feliz, da risada pra todo mundo, vira a pá de um segundo pra outro e quer quebrar a casa, fecha a cara e ninguém da conta de ler o que se passa ali. Gosta mais de carne do que eu, me chama de bichinha por preferir salada, me acha antipático, arrogante e chato. Mas me ama.
Eu não sei como está sendo, tampouco como será. Não faço ideia de como serão as coisas a partir de sábado... Distância? Já existia... Minha metade, minha velha e boa metade, já está longe. Longe até demais... E vai piorar. De qualquer maneira, só enquanto eu respirar vou me lembrar de você e enquanto houver você do outro, aqui do outro eu consigo me orientar.
A falta que você me fazia em Taiwan era grotesca, beirava o absurdo e eu sentia todo santo dia. Apertava o peito, doía mesmo e eu tinha o habito de sair dizendo isso pra todos os lados, não tinha medo, nem vergonha nem qualquer outra coisa que me impedisse. Não era tão frio e babaca como sou hoje. Mas o fim é belo e incerto, depende de como a gente vê.
Você partirá, iniciar-se-á uma jornada na sua vida. Esqueça as araras cantando nas manhas de domingo, os churrascos, a Skoll ou a Itaipava dos finais de semana. Tereré? Vai ser raro.
Prepare-se para se adaptar aos cactus, aos sombreiros, tequila, tacos, burrito, guacamole. Não posso mentir, e já vou te adiantando que fácil não vai ser. Nunca é. Já fiz isso, sei mais ou menos como é e se posso te dar um conselho como irmão eu diria pra aproveitar cada microsegundo lá. Cada pedaço de tempo do tempo que passar, fazer valer cada segundo, literalmente.
Eu já sinto uma falta imensa de você, às vezes não parece por eu não demonstrar tanto, mas sinto. Perdi os últimos três anos da sua vida, não vi quase nada do que se passou, lembro como se fosse ontem da sua cara ao completar quinze anos, da gente dançando feito dois bestas a minha valsa meio reggae, da chuva, da piscina, do dia seguinte. Eu me lembro dos momentos ruins e bons que nós passamos e da última vez que eu chorei do seu lado por um motivo completamente banal em uma situação extremamente estranha, lá no meio do nada, às tantas da manhã. Mas eu não vi o que aconteceu com você, só sei que em breve eu estarei na posição a qual você se encontrava em 2009 e serei eu quem chorarei ao te ver partir, entrar no avião e desaparecer pra outro lugar.
Estarei dando o abraço de quem fica, o mais doído que tem, o abraço de quem irá esperar um ano pra reabraçar alguém. Vai ser duro, acredite em mim, você já passou por isso. Eu disse uma vez que quando saí do país pra ir pra Taiwan, eu esperava todo santo dia que quando voltasse encontraria as coisas da maneira a qual deixei, não foi assim. Olha pra você. Olha o quanto você mudou, já tinha mudado muito entre 2009 e 2010, estamos em 2012 e eu só te verei de novo em 2013.