É fato que eu não sou um cavalheiro, não abro a porta do carro para elas entrarem - não sou do tipo que sequer tem um carro - não sou o cara que vai chegar em casa numa quarta-feira à noite e surpreendê-la com um buquê de rosas, nem sou aquele que vai no meio da avenida paulista pegar um megafone e gritar "Fulaaaaaaaaana! Eu te amo!" não... Esse não sou eu.
Minhas duas irmãs costumam dizer que eu sou um ogro e sempre comentam que não entendem como alguém pode se interessar por mim, eu sou grosso, sou estúpido, trato mal as mulheres, dou em cima de outras na frente delas, não digo palavras carinhosas, sou sincero, não sou extremamente ciumento, digo que quero trepar em vez de sussurrar no ouvido "Baby, vamos fazer amor?". Arroto, peido. Sou de carne, osso e muita merda. Não sou um gentleman, não nasci pra ser, mesmo tendo sido criado para tal.
Eu divido o espanto das minhas irmãs, também não entendo. A única coisa que sei é que as mulheres que eu tratei como princesas lindas e maravilhosas meteram o pé na minha bunda antes de eu pensar em dizer parangamicotirimiarruaru. Sério. A vida é um ciclo maldito, todos sabemos disso. O cara fofinho se apaixona pela menina má que é apaixonada pelo cara escroto que jamais irá admitir sua paixão pela nerdzinha da sala que no fim é apaixonada pelo fofinho. No fim, os quatro quebram a cara, a nerd vira mais uma menina escrota e passa a se preocupar mais com o alisamento do cabelo do que com o resto das coisas e o menino fofo vira mais um cara babaca e em meses estará dentro de uma academia qualquer medindo o braço com algum coleguinha. A vida é assim, caminhamos para a escrotização humana e se eu estiver errado me corrijam.
São esteriótipos? Não. Não mesmo. Você vê esse ciclo se completar a cada oitava série que se passa, a cada nova temporada de malhação. Essa é a vida adolescente e ela deixa marcas, crescemos acreditando que a melhor maneira de se conquistar mulheres é sendo o cara escroto e percebemos que isso é um fato, elas se apaixonam mais pelos caras escrotos, mas não os amam.
Mas não foi disso que eu vim falar, sinceramente.
Toda essa linha estranha de raciocínio me fez cair no meu pai. Ontem eu joguei no facebook um texto de dois mil e dez que falava sobre a capacidade dele de reconquistar a minha mãe. Serei sincero, várias vezes eu a ouvi dizer que iria larga-lo por vários motivos. E eles nunca largaram.
Uma vez ouvi alguém dizer que meu pai era um péssimo exemplo de homem porque ele tinha passado dos quarenta e praticamente não tinha onde cair morto. Ele não tinha dinheiro suficiente para construir um império, ele não tinha patrimônio.
Eu me lembro muito bem de ter dito que ele tinha algo mais valioso do que isso. Meu pai é livre, mesmo sem ser.
A vida inteira eu o vi fazer aquilo que ele bem queria. A vida inteira eu o vi sorrindo ao lado dos amigos velhos e pançudos que ele tem, bebendo sua cerveja, dando risada, contando piada, fazendo graça. Confesso que muitas piadas hoje me soam sem graça, mas a gente acha graça dentro dele, no jeito dele. Ele é gordinho, baixinho e quase careca e quando mais novo eu dizia que seria aquilo quando crescer. Uma mini melancia com pernas e uns fios de cabelo que agora começam a branquear.
Ele foi ele a vida toda. Abriu uma sorveteria, ganhou dinheiro com aquilo, gastou o dinheiro, foi feliz, abriu outra empresa, ganhou dinheiro, gastou o dinheiro, foi feliz e agora aparentemente as coisas estão indo mal e vocês sabem o que ele decidiu fazer? Trabalhar.
Aquele homem é um verdadeiro filho de uma puta. O desgraçado poderia estar muito bem andando aos prantos por ai, com a cabeça baixa, achando a vida uma merda e praguejando. Poderia estar simplesmente sentado na frente da televisão assistindo jornal e novela e vivendo de algum dinheiro invisível que talvez venha a surgir, mas não. Ele levanta a cabeça logo cedo e vai trabalhar. É isso que mais me admira no meu pai, ele mesmo sem as duas pernas, com um olho furado e o braço quebrado se levantaria e diria que hoje é o dia de se matar mais um leão.
Existem muitas coisas as quais eu nunca irei dizer a ele, a cada vez que eu ligo milhões de "eu te amo" ficam entalados na minha garganta e não saem, existem litros e litros de lágrimas que não escorrem quando eu o abraço no momento de voltar pra Santo André mas que minutos depois do ônibus sair simplesmente vertem de mim como se eu fosse a Foz do Iguaçu. Existe entre nós algo que eu chamo de orgulho, e é meu. Não dobrar, não ceder, ser homem, ser forte, ser Marcelo Casasco mesmo sendo só Lucas. Ele é forte. Muito mais do que eu jamais sonharei em ser.
Foda-se o Superman com sua visão de raio x e sua capacidade de segurar a Louis Lane, foda-se o Batman com seus apetrechos e cacarecos. Só existe um herói na minha história e ele é de carne, osso e merda, assim como eu, assim como o pai dele. Somos três seres humanos, cada qual com seus defeitos horríveis. Um bebeu e fumou a própria vida, o outro as vezes parece um burro trabalhando por si e pelo resto do universo e eu sou uma pedra, parada, imóvel, pesada, praticamente sem função.
Mas somos de verdade.
"Meu pai?
Ele é um homem livre.
Feito de carne, osso e sonhos."
Ele é um homem livre.
Feito de carne, osso e sonhos."