"Sacrofício."

Em março desse ano me fizeram a seguinte pergunta: O que é teatro?

Eis aqui a resposta:

Quando eu era mais novo meu professor de história costumava me dizer que eu poderia ser qualquer coisa -que desejasse. Nunca levei ele a sério.
Aparentemente esse episódio da minha infância nada tem a ver com "O que é teatro?", mas pode explicar o motivo de eu ter caído aqui.

O teatro cria consigo, todo dia, uma nova atmosfera, um mundo novo, uma aura mágica e praticamente desconhecida onde tudo é possível de ser feito, tudo pode ser criado e recriado, feito, destruído e refeito.
Eu não tenho ideia sobre o que é o teatro, não sei qual a força que ele tem, o impacto social que ele apresenta. Talvez seja porque eu vim de uma cidade, não muito, pequena no interior do Mato Grosso do Sul onde o teatro tem ganhado força de uns anos pra cá.

E eis ai um dos principais motivos que acabaram por me jogar aqui, o teatro é algo completamente desconhecido e ainda assim me atrai, é magnético, é estranho.
Agora, se voltarmos ao que meu professor de história me dizia, lá nas primeiras linhas, iremos entender a coisa. É só em cena, é só ali, que eu posso ser não o que eu quiser e sim tudo o que eu quiser. Pra que me formar em engenharia, física, medicina se eu posso ser médico, engenheiro, físico, químico, poste, árvore, ovo, galão de gasolina...

Agora, alguns meses depois a mesma pergunta foi refeita, pouca coisa mudou:

Se eu disser que, mesmo depois desse - curto - tempo passado ainda não sei o que é o teatro ou o que ele representa pra mim, vocês irão dizer que eu não sou muito bom em perceber mudanças. Mas é só a verdade.

Disse uma vez, brincando, em aula que havia me decepcionado com o universo teatral, pois cheguei achando que seria maconha, sexo e cachaça e acabei vendo que não era bem assim.

É bem verdade que quando cheguei, achava que teatro fosse brincar de casinha, não tinha a mínima ideia do trabalho que existia por trás de cada cena, por trás de cada ator.

Alguém disse um dia que nosso núcleo deveria se chamar Núcleo de Transformação Teatral no lugar de Iniciação Teatral e talvez seja isso mesmo, transformação.
Entrei dizendo que o capitalismo era lindo, cheio de arrogância, auto-confiança excessiva, defesas e aos poucos fui tendo as minhas pernas quebradas por esse processo transformador. Me assusta - e muito - pensar que esse é só a ponta da ponta da ponta do bico daquele passarinho sentado em cima do iceberg.

Tenho a sensação de que abriu-se um buraco no centro do meu peito e um grupo de dezessete pessoas me jogou dentro dele, um lugar onde eu vou caindo mais e mais, uma queda eterna para dentro de mim mesmo. É confuso, mas é real.

Como eu disse, pouca coisa mudou:

Continuo não sabendo o que é o teatro, continuo buscando respostas para perguntas que nem existem ainda. Existe um certo desapontamento de mim por mim mesmo, alguns aspectos da minha vida que eu achei que mudariam, não mudaram e outros que eu acreditei serem imutais simplesmente se dissolveram, ao menos eu ando bem distante das crises de tristeza que eu tinha antes.

Minha antiga visão sobre muitas coisas ainda prevalece, ainda acho que é em cena que irei me resolver, é ali que eu posso ser tudo o que eu quiser ser e até mesmo coisas as quais eu nunca achei que seria, nunca me imaginei.

Talvez seja uma questão de Vontade Verdadeira ou só loucura mesmo, mas a cada momento que eu me percebo mais afundado nessa lama mais feliz fico.

Percebi que acabei caindo no teatro por perceber que ele ainda é a melhor e mais completa forma de se expressar, teatro é vida comprimida. Eu sou um péssimo músico, não sei pintar telas, finjo que escrevo, talvez seja no teatro que eu aprenda a colocar pra fora tudo o que tem que ser colocado...

"Agora você tem olhos.
Vocês percebem?
Ele tem olhos, antes eram flechas..."