quinta-feira, 17 de maio de 2012

"É só fechar os olhos e seguir."

As coisas deixaram de ser como eram e é assim que tudo começa a se arrumar. É o princípio básico das coisas, você tem que destruir tudo até o fim pra só então poder recomeçar, todo mundo é um pouco fênix, não adianta você tentar reconstruir algo que estava só meio destruído e nem queira mudar de rumo sem abandonar totalmente o rumo antigo.

É assim que tudo começa, princípio da destruição, precipício da destruição. Não há mais pra onde fugir, você se vê confrontado com isso, é arrebentar tudo e voltar à vida, emergir com o meu subnaviopelim - O Hamster Voador - uma mistura de navio, submarino e zepelim, o qual eu tento navegar com uma certa maestria. Não é fácil ser capitão nos dias de hoje, mais difícil ainda ser pirata, navegar nas correntes contrárias, ir de frente com todos os outros navios que vem por ai, dar a cara à tapa sem ter medo de que te afundem, porque você sabe que navios vem e vão, as marés passam, as luas mudam, e o que fica é a experiência.

"E é disso que são feitos os capitães."


Agora é seguir. Perdi um ser importante da minha tripulação, me disseram que ela subiu à prancha e se jogou... Justo quando estávamos passando por cima do Mar da Indiferença.
Fosse o Mar do Ódio eu até tentaria entender, faria um pouco de sentido, as pessoas fazem isso às vezes. É como se elas gostassem de se banhar naquelas águas, são turvas, meio escuras, mas revigoram. O ódio revigora.


O incompreensível é quando a pessoa se joga no Mar da Indiferença. A água dele é mais lamacenta, prende a pessoa e não deixa afundar, é um lugar feio e escuro, e normalmente as pessoas não conseguem voltar de lá. 
Exige uma força enorme tanto de quem está lá como de quem está passando por perto e quer ajudar. No meu caso específico é um pouco mais fácil, o Hamster Voador é equipado com cordas pra puxar que quer que caia, mas de nada adianta a boa vontade minha e do resto da tripulação se a pessoa que está lá em baixo não agarrar a corda.

Me entristece ver isso, não por mim, não pela pequena pontada de sofrimento que me da ao ver alguém cometendo um ato tão estúpido, mas sim pela pessoa. Ela se isola, se tranca num mundo próprio, se joga pro Mar da Indiferença e espera outro navio passar, pode demorar meses pra que alguém passe por aqui, é uma rota ruim, talvez anos. E os que passam, quando percebem que a pessoa está ali por vontade própria, nem sempre oferecem ajuda, pelo contrário, tiram proveito da situação.
É fácil tirar proveito de alguém que está engessado, atolado e achando tudo aquilo lindo.

Eu esqueci de dizer que o Mar da Indiferença gera uma sensação de prazer muito interessante, já me joguei ali, muito antes de pensar em ter meu próprio navio, muito antes de negociar o Hamster com Moros que me disse tê-lo comprado de Caos há muito tempo.


Vale dizer aqui que o Hamster Voador tinha outro nome antes, era um nome grego e pomposo o qual eu abandonei, não me cabia um nome forte daqueles. Outra hora eu conto essa história e explico como se deu a negociação. Negociar com deuses é coisa difícil.


Voltando ao Mar da Indiferença... Ele é inebriante, você se sente feliz ali, acha que a vida é mais bonita quando se está naquele estado frio, vendo tudo de fora. Não é um erro, é uma escolha.
Ter um navio é uma escolha, navegar é uma escolha, não é e nunca foi a melhor de todas, viver do meu jeito não é o jeito mais fácil de se viver e não é isso que eu quero passar pra vocês, só estou desabafando e dizendo que certas coisas pra mim não fazem sentido, assim como não faz sentido pra minha mãe eu não querer ser ator da Globo.



Mas aqui eu posso ser sincero, quando eu escrevo essas coisas e as engarrafo pra depois joga-las no Mar de Gente eu tendo a ser sincero. E é por isso que eu digo que a cena foi triste.


Vê-la correndo pelo convés vestida única e exclusivamente de orgulho, calçada com o próprio ego e com a maquiagem toda borrada foi uma cena triste e digo que ficou bem pior quando eu, ali do timão assisti à tudo aquilo quase que passivamente, ela correu, subiu à prancha e sem pensar muito se jogou. Eu gritei, larguei o timão pra tentar acudir, corri pelo convés também, não deu tempo.
Deu tempo de ouvi-la gritando, enquanto despencava, que tudo o que eu a havia oferecido eram mentiras, que minhas intenções eram piores do que eu, de fato, as demonstrava. 
Pude ver nos olhos dela a vontade de gritar "Hipócrita!" a plenos pulmões, mas não deu tempo, ela afundou e em segundos seus olhos já não brilhavam mais; era o transe da indiferença.


Seria mais fácil se ela tivesse  se jogado às pedras, eu saberia que tudo o que eu iria encontrar, caso parasse o navio pra procurar seriam restos de um corpo que um dia me esquentou e me ajudou a traçar rotas nos poucos mapas que tínhamos.
Voltei pra vida de capitão sem imediato. 
Mas ontem eu vi um porto, não era sedutor o suficiente pra me fazer ancorar, portos não me seduzem mais, a vida em terra cansa, mas foi um bom lugar pra rever velhos companheiros, a gente se juntou ontem e eu voltei a entender que a força de um capitão não se faz única e exclusivamente da sua tripulação, mas sim na sua capacidade de se juntar à uma frota qualquer e se manter em navegação constante.


Um velho marujo amigo meu costumava dizer que nenhum vento sopra à favor de quem não sabe pra onde quer ir. Que venham os ventos então, e que o Hamster voe alto como sempre fez, porque é lá de cima que eu consigo ver tudo de forma mais clara.


É perto do céu, com cabeça sendo tocada pelas mãos de Morpheu que eu posso sonhar em paz. Não se navega um navio de sonhos sem sonhos. Agora é só fechar os olhos.
e seguir...