domingo, 11 de julho de 2010

"Vai, olha o trêm."

"Até que esse café não é ruim..." foi a primeira coisa que eu pensei depois de, finalmente, vencer a luta e perfurar o plástico de proteção do copo com a ponta do canudinho e tragar esse maravilhoso líquido preto que, por ser taiwanês, não é tão maravilhoso assim mas já é alguma coisa.
O segundo pensamento foi: "Não é um café com sorvete de creme às seis da manhã como eu tomava vez ou outra no Brasil quando abria o congelador e via que tinha sobrado sorvete da noite anterior mas vá lá, ta bom. E já são meia noite e meia mesmo eu só preciso relutar e continuar acordado, dois copos do bom e velho Barista vão me deixar desperto."
É meu povo, estou trancado na estação de trêm de Hualien. "Trancado" com aspas grandes porque eu estou na estação então eu posso ir daqui para onde eu bem intender (olha que legal, lembram que um dia eu falei sobre a diferença entre "entender e intender"? Pois é, olha ai um caso que eu acho que muita gente confunde e fala: "Para onde eu bem entender." sendo que o certo é intender, de ter a intenção de algo.)
Posso ir daqui para onde eu bem intender... Será mesmo? Não, não é... Primeiramente porque eu não tenho mais dinheiro, dos cento e cinquenta nts que eu tinha eu já torrei cinquenta no café, os cem que me sobraram eu troquei em moedas para ligar pra minha mãe às quatro da manhã que é quando eu chego na minha cidade. E por que que eu só chego lá às quatro? Porque não tinha assento em nenhum dos trêns que vinham mais cedo de Taipei para Yuli, nem nos de hoje nem nos de amanhã e como são mais de três horas de viagem eu preferi pegar um trêm para Hualien e não vir apé.

Cheguei aqui e encontrei um boiadeiro com quem fui falar, o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem mas joão foi lhe salvar... Não, não... Eu cheguei e os guichês estavam todos fechados, entrei em um estado de semi-desispero que é quando eu começo a ficar paranóico e a minha respira começa a acelerar ao mesmo tempo em que um princípio de suor frio aparece em minhas mãos depois vem o estado de desispero que é quando o coração pula, as mãos transpiram e os pés começam a enxarcar e por último o estado histérico e quando eu entro nesse estado é bom tirar tudo quanto é coisa que seja sensível à humidade de perto de mim porque ai as minhas mãos passam a disparar água e se eu tirar o tênis se forma uma poça em baixo de mim.

Pois é, entrei no semi desispero mas eu sei me controlar, respirei fundo e pensei que nem tudo estava perdido, eu tinha o meu computador. Fui no seven eleven que tem aqui na estação, comprei um sanduíche e um suco de limão, sentei na sargeta e comi enquanto pensava na vida. Não sabia se eu ia no seven comprar um maço de cigarro e uma lata de cerveja, depois sentava na sarjeta e ficava a fumar e beber até o sol raiar ou se pulava o portão da estação e entrava no próximo trêm de carga que fosse no mesmo sentido da minha cidade. Optei por esperar sentado com cara de tonto enquanto o tempo passava, pra minha sorte os caras reabriram o gichê e eu pude ir lá ver que horas teria um trêm para a grande e esplêndida Yuli (já falei pra vocês que esse Yu de Yuli, se pronuncia I? É, mas é um i meio francês, com biquinho.) e me surpreendi ao descobrir que o próximo trêm sairia às três da manhã para chegar lá às quatro.
Agora, aproveitando que não tem ninguém na estação, eu coloquei um Filho dos Livres pra tocar e to de boa aqui com meu café, indo pro segundo copo já na tentativa vã de espantar o sono que fica me rodeando.

Ah ta, pra quem ainda não sabe, dia três de agosto eu já estarei em terras tupiniquins beijando minha família e comendo um churrasco enquanto eles me chingam de tudo quanto é nome feio que vocês puderem imaginar por eu não ter levado presente algum para eles e no dia quatro eu espero estar com os meus amigos em situação parecida com uma pá de gente me chamando de egocêntrico e egoísta e dizendo que eu não lembrei delas durante o ano todo.
Ai eu serei obrigado a mandar todos eles irem tomar nos seus respectívos cuzes porque eu não sou do tipo de ser humano que dá presentes. Sou pobre e ponto final e eu me lembro bem de cada um dos seres humanos que me fizeram e ainda fazem falta aqui em Taiwan, então se você quer presente, abra o seu histórico de msn e veja as várias vezes que eu conversei contigo durante esse ano ou venha aqui no blog e procure pelo seu nome ou se contente com um beijo no rosto e olhe lá porque esse ano me deixou meio frio.

Terceiro copo de café... Nunca precisei de mais do que um gente, o sono hoje ta me espancando e me assustando, é justamente nas horas que a gente não pode dormir que ele ataca, é incrível isso.




Beijos beijos
Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan.