quarta-feira, 21 de julho de 2010

"E o fim chegou. Pai."

Ontem foi o dia da Véia... Hoje é teu dia redondo!
E aqui vamos nós de novo em mais um dos vários posts que eu escrevi pra você ao longo desses meses aqui em Taiwan.

Acho que desde o Paraguai a nossa relação já não é mais a mesma. Acho que aquela viagem foi um real divisor de águas, o que fez eu e o Rafael experimentar um pouco mais do que era ser algo além de dois adolescentes.
Toda vez que chegavamos em casa depois da viagem e você falava: "Eita Rita, esse menino trabalhou igual homenzinho." isso me inflava o ego de um tanto que eu parecia o sapo da história do sapo e do boi.
Hoje eu olho pra trás e apesar das queimaduras de sol e do cansaço mortal no final do dia, apesar de ter de ficar em baixo de chuva utilizando uma lona de outdoor como capa de chuva ou ter de ficar torcendo arame pela tarde toda e ficando puto em ver que os meus estouravam e os seus não, eu vejo que aquilo foi um mega ensinamento, algo dígno do mestre Miyagi.
Daqueles dias pra frente as coisas começaram a mudar, de lá pra frente eu passei a me interessar um pouco mais sobre os assuntos que rondavam meu pai. Até então eu sabia que o seu trabalho era algo um pouco mais complicado do que ficar com a bunda sentada em frente a um computador em baixo do ar condicionado tomando tereré ou ir ao banco esperar na fila pra pagar algo ou depositar alguma coisa. Eu sabia que no fim da contas você não se contentaria em ficar trancado em uma sala enfiando adevisos em uma plotter para que ela fizesse o trabalho todo quase que sozinho.

Eu nunca entendi essa barriga que você carrega. Desde que eu me entendo por gente você é uma das pessoas mais ativas que eu já ví. Raramente eu te vejo parado, e isso é sério. Eu só te vejo realmente moscando logo depois do almoço mas isso é cem por cento natural do ser humano.
Mas quarenta e cinco minutos depois lá está você, em pé, tomando um café seguido de um copo de água e seguindo pro escritório e depois rua.
Agora a pouco eu estava ouvindo Rocket Man e escrevendo pra mãe, mudei atmosfera aqui. A coisa está ficando mais legal, Scorpions agora.
Voltando ao que eu estava dizendo... Lá vai você pra rua, todo santo dia. E corre pra cá, corre pra lá, atende celular daqui, sai pra negociar de lá e tudo segue seguindo com pleonasmo e tudo.

Lá fora ainda está chovendo e chuva sempre me lembra de choro. Acho que eu tenho algo a dizer sobre isso...
E isso não é pra você, é para o resto das pessoas que me lêem...

Eu aprendi que meu pai não tinha superpoderes em uma noite normal de um final de semana normal e reafirmei isso quando lí um e-mail onde alguém dizia: "Cara, teu pai chorou feito criança no ano novo de saudade de você."
Meu pai sempre foi um super herói, sempre. Essa é a função dos pais no fim das contas, serem heróis, ensinarem a pescar, ensinarem a amarar o tênis, explicar que o cavalo anda em L, explicar o que é um impedimento, explicar o teorema de pitágoras, explicar que os sinais mudam depois que passam pra lá do igual e que temos que chacoalhar o pinto depois de mijar.
Mas houve um dia que eu ví que ele era humano acima de tudo. Houveram outros depois, mas um dia fica marcado em minha mente, gravado.

Eu estava na cozinha, estava estressado porque o dia não tinha sido bom, era sábado a noite e por algum motivo eu estava puto com algo. Ele chegou em casa com minha mãe e minha irmã de uma festa a qual eu não fui por que estava puto ou dormindo.
Se tem uma coisa que eu respeito em meu pai é o seu hábito de beber. Sim, eu respeito. Acho que é o mínimo que devemos ter pelos nossos pais é respeito e isso inclui entender que uma pessoa que trabalha cinco dias na semana tem todo o direito de beber cerveja com os amigos nos finais de semana. Ele nunca deixou a minha família pra beber, eu nunca encontrei ele sozinho em um bar bebendo e é por isso que eu respeito ele. Ele não é um pinguço, ele é um apreciador de cervejas, e esse é um cargo que ele só ocupa nos finais de semana. Nunca ví meu pai beber em dias de semana. É claro que existem exeções, mas são raríssimas.
Nesse dia ele chegou em casa bêbado, se seu pai nunca chegou bêbado em casa depois de uma festa me desculpe mas ele é um tonto que não sabe curtir a vida ou é crente o que pra mim é a mesma coisa. Ele chegou bêbado e queria me contar uma história, algo que meu tio avô havia feito na festa e que envolvia uma morena linda e devia ser algo engraçado mas eu no auge do meu stress não queria saber de nada além de comer o meu miojo e assistir Altas Horas.
Pra piorar as coisas a televisão distraia ele. A cena, hoje, é engraçada.
Imaginem o pai de vocês dizendo: "AaaAaaoo, oo, ooo Filhããão!! EeeEu zenho uma hishtória bá ti gontá! Ó, ó! Zzzziguínte... Eita!" Ai ele se destraia com a TV e não contava e dez segundos depois voltava a falar da história: "Baas, enzão... Gue eu dava dizzzenu? Aaa a hishtória. Se num zabe que co seu Bário vez... Eita!" e parava de novo por causa da TV. Lá pela terceira vez eu estressei e chutei o balde, mandei ele se curar da bebedeira e depois vir falar comigo. Acontece que eu falei isso de forma alterada, gritei com o velho.
Na hora eu desejei não ter feito aquilo, mas hoje eu vejo que foi uma das melhores coisas que eu já fiz. Ele só olhou pra mim e já mandou um: "Vai pro teu quarto."
Quem conhece minha família sabe que "Violência" pra nós é uma palavra tão abominável quanto "Sexo" é pros crentes. Em dezessete anos eu acho que só tomei um tapa da minha mãe e nem doeu pra ser sincero e eu nem lembro o motivo.
Na hora eu gelei, eu sabia que ele estava bêbado mas não ia erguer a mão pra mim. Valores são valores e homens continuam homens mesmo depois de bêbados.
Fui pro quarto, mas passei pelo banheiro antes pra tomar um banho. Fui pro quarto enfim e lá estava o velho. Álcool? Nem existia mais. De alguma forma psicossomática ele não estava mais bêbado.
Lá estava o velho sentado na cama com cara de pai bravo e começou a falar. Eu sabia que ele estava ultra puto mas o tom de vóz dele era exatamente igual ao de sempre, sem nenhuma inflexão. Falou e falou e falou e, utilizando o seu dom maldito com as palavras, fez minha vida inteira passar na minha frente, jogou todas as minhas merdas na minha cara e me puxou pra realidade e no fim mostrou que ele pode ser sim o meu melhor amigo, pode ser sim o meu ídolo maior e o cara de quem eu herdei os ídolos menores, pode ser sim um gordinho careca e baixinho mas ele é meu pai e naquele momento ele estava exigindo o mínimo que um filho deve ter de um pai, respeito.
Eu não fiquei quieto, eu estava errado sim, mas não fiquei quieto. O único argumento que eu usei foi o: "Eu sei que você se importa pai, eu sei que você tem o direito de se divertir, eu não quero que você pare de beber, isso seria péssimo. Mas eu não quero que meu Pai morra de cirrose."

De alguma forma isso acertou o velho como uma pedrada no olho e ele começou a chorar. Ai então eu sabia que aquele gigante de um metro e sessenta que se erguia ali no meu quarto, meu pai, não era tão forte quanto eu sempre imaginei, ele tinha um ponto fraco. No fim nós conversamos e desde aquele dia, eu juro pra vocês, eu nunca mais vi meu pai bêbado a ponto de chegar em casa e sentar pra assistir TV e apagar em questão de segundos. Dali pra frente ele passou a controlar o álcool dos finais de semana.

Depois dessa discussão a nossa relação mudou bastante também. Mas nada se compara ao Paraguai, com certeza.

Nos últimos meses várias e várias coisas me fizeram pensar no meu pai, me fizeram lembrar de coisas que eu deveria ter feito, me fizeram pensar que eu deveria ter passado mais tempo com ele durante esses dezessete anos. Mas ainda há tempo. O mundo não vai acabar em 2012, meu pai não vai morrer antes dos cento e vinte anos de idade.

Então gordo, tudo o que eu queria era te agradecer por esses oito meses me segurando. Me dando força pra enfrentar tudo o que veio pela frente. Você também foi mais que pai, foi amigo, conselheiro, irmão, foi força. Foi mais que um melhor amigo. No fim eu acho que a comparação que eu fiz dizendo que somos Pai Filho e Espírito Santo é a que mais vale. O Espírito Santo se chama Oscar pra quem não conhece. É uma das pessoas que mais me fazem falta mesmo seu ter conhecido. Prefiro não entrar nesse assunto.

Então papito, é isso ai. Dia dois eu estarei lá em São Paulo e lá vai você me buscar! Prometo que dessa vez eu deixo você tirar uma foto minha no estilo do negão corredor.




Beijos beijos
Lucas Casasco, aquele que ama o seu pai em Taiwan.




Agora eu vou trocar a música aqui pra um Teatro Mágico e escrever pra Ana Luiza... Sim sim, to escrevendo tudo no mesmo dia pra postar em dias diferentes... É que eu to emocionado com a notícia de que o Vander Lee fez um vídeo com o Cifraclub ensinando a tocar Românticos, uma das músicas dele que eu mais amo! Ai eu fiquei tão feliz que eu resolvi escrever os agradecimentos.
Taiwan - 03/06/2010