Achei o cara lá dono da casa onde eu iria dormir, ele era meio estranho mas tudo bem. Aparentava ter uns quarenta e tantos anos, tinha aquele porte de taiwanes de meia idade, forte e magro. O mais legal dele era a barbixinha no queixo. O cara tinha estilo e isso me preocupava, afinal de contas se o cara tem mais de quarenta e ainda é magrinho e gostoso e de quebra tem estilo isso só podia significar uma coisa. Preciso mesmo dizer o que isso significa? Não né...
Entrei no carro e o cara ligou o som, nessa hora eu fiquei mais preocupado ainda. Ópera. Em italiano. Gelei óbviamente. Foi ai que o celular do tiozinho tocou e era a mulher dele, isso me tranquilizou de leve, ele falou pra ela organizar o quarto pra um brasileiro.
No meio do caminho eu apaguei umas duas vezes, acreditem em mim, eu estava realmente cansado. Chegamos na casa do tiozão às dez e pouco tinha uma mesa lá com três pratos com frutas e três copos de chá, um pra mim, um pra ele e um pra mulher. Tudo no capricho, comi algo que eu não comia há tempos, manga. Gelada, cortadinha.
Conversei um pouco com eles e descobri que alguns outros brasileiros já haviam morado alí, me explicaram onde era o banheiro e como ligava o chuveiro e ai sim vem a parte legal, chuveiro vertical de novo! Água de cima pra baixo! Nem preciso dizer que lá se foram meia hora de banho. Saí do banheiro e fui pro quarto, abri a mala e peguei uma camiseta. Foi ai que meio veio um click e a pergunta: "Querido senhor Lucas Casasco, aqui quem fala é a sua memória, onde está a sua camera de vídeo?"
É crianças, o tio Lucas havia perdido a camera. Meu coração parecia um sabo cururu roxo do sertão bahiano querendo sair pela minha garganta, posso jurar até que por um segundo meu olho ficou levemente molhado e ai eu fiz aquela cara:

Saí do quarto com cara de puta que não foi paga e já falei pro papito: "Hey Joe! Perdi minha sagrada camêra!" ele olhou pra mim e deu uma risada que deixava clara a mensagem: "Ah, child, eu poderia dizer que é problema seu mais o hotel é de um rotariano, calma ai." sacou o celular do bolso e fez uma ligação, mandou eu não me preocupar e ir dormir.
Tentei dormir né. Estava morto de cansaço, apaguei e acordei, estava parecendo meu pai - do Brasil - em dias normais. Pra quem conhece o velho ou já ficou até de madrugada em casa sabe que pelo menos três vezes na noite ele levanta de cueca branca e caminha pela casa até a cozinha, bebe uma água, mija e volta pro quarto. O melhor de tudo isso é ele agir como se nunca houvesse ninguém em casa porque essas caminhadas noturnas pra ele são normais e naturais.
Eu fiz igual, levantei no meio da noite umas três ou quatro vezes pra beber água e mijar pensando na merda da camera que eu havia perdido. Acordei no dia seguinte e o papito lá estava sentado a mesa comendo algo, olhou pra mim e perguntou: "Tua camera é uma Sony CX-150?" eu balancei a cabeça positivamente enquanto esfregava os olhos. Ele olhou e sorridentemente falou: "Já encontraram."
E nesse tempo já eram sete horas da manhã, me arrumei e descemos. Comi um saduiche seven elevenístico e tomei uma garra de apple sidra - pra vocês que são brasileiros e não viveram aqui, apple sidra é um refrigerante de maçã que é demoníacamente melhor que cuspe de jegue - entrei no carro e fomos até o hotel pro segundo dia da conferência.
Entramos no hotel, subimos pelo elevador e caímos no saguão que ficava entre os quartos e a sala de conferência. Não tinha ninguém alí. Praticamente ninguém.
Atrás de mim tinham duas pequenas árvores falsas cercadas de outras plantas de plástico e em volta delas tinha um banco em forma de círculo. Quem estava no banco? Quem quem quem? A canadense com cara de canadense sem dono, sentada abraçando os joelhos enquanto olhava pra mim que estava longe. Estava com as malas ao seus pés esperando o tempo passar. Fiquei lá com ela e conforme o tempo passava o lugar foi enchendo de gente de novo, fomos chamados para a sala de conferência, sentei no mesmo lugar de sempre mas dessa vez com um violão no colo. Fiquei com a mulecada lá arranhando o violão e fazendo gracinhas enquanto uma meia dúzia de gente lá na frente falava coisas sobre o programa de intercambio.
Em meio às nossas conversas eu descobri que lá em baixo tinha internet, fiquei animado com a notícia e desci junto com o Lucas lá de Yilan. Ficamos lá internetando, fiquei pouco tempo on. Consegui conversar com minha irmã bem de leve e lí uma sequência de depoimentos dela que, confesso, quase me fizeram chorar. Ela me autorizou a publica-los aqui e eu digo pra vocês, aquela menina escreve melhor que eu. Ta, é fácil escreve melhor do que eu, até o Paulo Coelho faz isso. Até o Stephen King escreve melhor do que eu!
Fiquei pouco tempo on porque uma amiga minha queria usar o note e eu estava ouvindo o Ian lá atrás tocando violão, olhei pra trás e ví a canadense sentadinha em uma poltrona, só o olhar dela já falava por sí só. Algo meio que: "Luuuuucas! Vem cá vem?"
Fui, sentei com ela na mesma poltrona e ficamos lá ao som do Ian conversando mais um pouco porque o lugar estava, novamente, apinhado de rotarianos.
Papo vai, papo vem, o violão caiu na minha mão de novo. Olhei de longe e lá estava o Ian correndo com a camera de uma amiga equatoriana nossa na mão, escorregou e caiu. Por sorte a camera não bateu em nada mas a equatoriana não viu o movimento, claro que eu e a canadense, muito malvados comentamos que o cara tinha caído com a camera dela na mão e eu com o violão no colo já embalei um improviso alí e cantei uma música-história sobre o cara correndo e a camera batendo no chão e fazendo ploft.
Detalhe, a camera não tem um mês de comprada.
Dalí pra frente o tempo passou e eu nem ví, ficamos um tempo sentados, levantamos pro almoço e voltamos pra casa.
Ah sim, no primeiro dia eu estava meio febril pela parte da manhã e foi essa equatoriana ai que "cuidou" de mim. Logo depois do almoço eu estava melhor e saímos pra tomar um ar, no meio do passeio eu trombei com uma turma de intercambistas que estava indo fumar.
Eu não fumo ok? E também não sou um moralista/hipócrita idiota, quando eu digo eu não fumo isso significa que eu não fumo com frequência, vez ou outra eu dou uma tragada, poxa eu tenho dezessete, sou adolescente, isso não deveria espantar a ninguém. Garanto que todos os adultos que estão me lendo já fumaram um dia e os adolescentes que estão me lendo se não fumaram, fumarão. Quando eu era muleque eu era o ser mais anti-cigarro que eu conhecia, eu realmente odiava aquilo por motivos pessoais, sempre acreditei que o cigarro havia matado meu avô mas no fim das contas não foi o cigarro e sim ele mesmo.
Ta bom pai, eu sei que não é legal fumar e que não faz bem pra saúde, faz mal pros dentes e ainda deixa broxa. Por isso que eu não sou um viciado em cigarro. E você adulto hipócrita que me lê, se você que o seu lindo filhinho adolescente não fuma e é um anjo é bom você abrir o olho um pouco porque eu assumo isso e falo mesmo, eu sei que meus odeam o fato de eu tragar um cigarrinho vez ou outra mas eles já foram adolescentes, eles dão bronca sempre eu sei que vou tomar uma do meu pai quando ele ler isso aqui, mas e dai? A vida é curta de mais pra gente não "aproveitar".
Deixe-me voltar ao que eu estava falando, estavam lá fumando e eu estava mais ligado em conversar com a equatoriana do que com fumar, pra ser sincero aquela fumaça estava me irritando de leve, nunca curti o cheiro do cigarro - por isso que eu sempre fumei cigarro de bixa - acontece que em meio àquelas aromas sinistros de cigarro um me chamou atenção. Meu nariz na hora apitou e o cérebro recebeu a mensagem: "Gudang!"
Pra quem não conhece cigarro ou não me conhece eu lhes digo o que esse cigarro significa pra mim: Amizades. A minha turma, brasileira, quase inteira fuma e a maioria dos meninos fumavam Gudang, o cheiro desse cigarro me remete à cenas de festas e coisas assim. Poxa, minha adolescência cheira a gudang e aqui em Taiwan eu não havia sentido esse cheiro ainda. Ai, nessas horas eu fui obrigado a pedir um cigarro. Era um gudang poxa.
E ai já viu né? Você pega o bixo e traga e ele faz aquele barulho de gudang. Os gudangs falam! Na verdade eles estalam.
Ai ai, momento nostalgia off.