Hoje, vinte e sete do três, eu tive uma daquelas crises de recaída misturada com a bela e velha visão de um futuro melhor.
A recaída não conta, dei fim nela com uma dose de coca-cola, um pouco de Rammstein e uns quadrinhos do Batman. Já a velha visão de um futuro melhor...
Não é bem de um futuro "melhor", mas é que eu as vezes fico imaginando coisas que eu acho que não passam na cabeça de outros garotos de dezessete anos.
Sabe, eu sempre tive vontade de ter um filho... Deixe-me flashbackiar um pouco e voltar à epoca que eu estava indo fazer o meu visto para vir para Taiwan.
Teve um dia que eu estava lá quieto no consulado esperando ser atendido e chegou um ofice-boy pra entregar alguma coisa, chegando lá ele encontrou com um conhecido dele e começaram a conversar, eu que estava sem fazer nada me antenei na conversa deles e ouvi algo sobre filhos. O ofice-boy, que não deveria ter mais do que uns vinte e três anos estava falando sobre o filhinho dele que é novo e que apesar de dar muito trabalho ele amava de mais e o outro cara dizia que o filho dele era um pouco mais velho e que uma das experiências mais legais que ele já tinha passado até então era ouvir o filho dele chamando ele pra ir no parque jogar Futebol.
Eu não sou fan de futebol e talvez meu filho me chame para uma partida de videogame mas esse não é o caso.
Então, o que acarretou as minhas lembranças foi meu irmãozinho. É, eu tenho um irmãozinho aqui em Taiwan que deve ter uns dez ou onze anos mas age como se tivesse seis e vez ou outra eu trato ele como um filho mesmo, sei lá. Carrego o moleque nas costas, ajudo ele com o que ele pede, encho o saco, deixo ele encher meu saco, não perco a paciência e a gente convive bem.
Hoje mesmo quando eu cheguei em casa, meio cansado depois de passar a tarde tentando ensaiar Soulja Boy e Rebolation para uma apresentação que a gente vai fazer dia dezessete, a casa estava trancada e eu toquei o interfone, ele atendeu e veio correndo abrir a porta. Ai ele me deu um abraço, na verdade ele pulou em mim sabe? Eu me senti mais pai do que irmão porque o piá é pequeno, ai eu joguei ele no ombro e carreguei ele até o andar de cima, moleque no ombro, mochila na mão, blusa na outra mão e ia usando o pé pra abrir portas, ainda tive que parar na escada pra tirar o sapato...
Eu fico aqui pensando que pode ser meio torturante ter que acordar de madrugada pra limpar merda verde, ou ter que sair da cama quentinha pra ver que que o moleque quer no meio da noite. Mas acho que a frase: "Pai, eu te amo." Acaba compensando as coisas no fim das contas.
Eu tenho por exemplo disso o meu pai... Olhem, eu esses dias mandei um puta e-mail pra ele metendo o pau por causa de uns rolos que aconteceram ai mas eu prefiro não comentar, o cara teve que aturar o meu e-mail e respondeu na maior paciência do mundo. Ele sabe que eu estava nervoso e eu sei que meu nervosismo não é nada perto das merdas que ele já limpou, das horas que ele perdeu jogando xadrez comigo ou do desespero dele em não achar nada pra me distrair além do jogo da cobrinha enquanto o médico costurava o dedinho da minha mão direita que jorrava sangue minutos antes.
Ele sabe no fim das contas que eu o amo e que nada nesse mundo vai fazer com que a gente brigue de verdade.
Acho que no fim é isso, eu tenho esse sonho antigo de ter um filho e acho que isso é culpa do fato de eu ter um pai muito bom e atencioso pra cacete. Ele mesmo não sabe disso mas ele é atencioso. Há vezes que ele não percebe e acha que está dando mais atenção pro trabalho mas se ele parar e olhar pra trás era eu quem tinha o habito de trocar ele por Tibia quando era mais novo.
Eu me arrependo profundamente disso, me arrependo profundamente de ter desperdiçado dias que eu poderia ter passado ao lado dele e que hoje não voltarão a se repetir. Eu me arrependo profundamente de ter feito ele se desesperar ou ficar nervoso por causa das minhas notas na escola ou por qualquer outra cagada que eu andei aprontando nos últimos anos. Assim como eu me arrependo profundamente de não ter abraçado ele quando ele voltava do trabalho com aquela cara de bobo cansado e fazia todo aquele barulho ao balançar um molho de chaves gigantesco pra abrir a porta, sem contar com o baque do solado do coturno preto batendo no chão de taco lá de casa. São duas coisas tão marcantes que no Brasil eu usava uma corrente como chaveiro que era tão barulhenta quanto o molho de chaves dele e quando entrava na sala, sempre com meu par de coturnos, fazia questão de pisar tão firme quanto ele.
Não meu povo, meu pai não morreu não, mas faz seis meses ou mais que eu não o vejo. É tempo. É claro que seis meses não são nada se você parar pra pensar que ele ainda vai viver uns cento e tantos anos, pelo menos na minha imaginação ele vai viver todo esse tempo.
Enquanto eu estiver vivo, ele estará vivo e é simples, ele me ensinou que no fim das contas pai e filho nada são além de um pedaço um do outro, eu não sou uma cópia dele ou uma projeção dele, eu sou um pedaço dele e vice-versa.
É, sem querer acabei escrevendo o post pro meu pai que eu há meses queria escrever e não conseguia, forçava a mente o quanto dava mas nunca saía nada e agora saiu na maior leveza do mundo, até parece que eu tomei um laxante mental ontem...
Beijos, beijos.
Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan.
"Walking through a winter night,
Counting the stars
And passing time
I dream about the summer days,
Love in the sun
And lonely bays"
Lady Starlight - Scorpions.