sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"Luke, I'm your father..."

Pai, eu fracassei. E eu acho que começar um texto já dizendo um fracasso é, em si, outro fracasso. Logo, pai eu fracassei e acabei de fracassar de novo. Acho estranho estranho esse efeito do nosso cérebro, esse da palavra perder o sentido depois de ser repetida algumas vezes, acredito que eu falar a palavra fracassei mais umas quinze vezes aqui quando chegar na última você vai ler e pensar "Oi? Fricassê? Frango assado? Um frango assei?" mas não é sobre a capacidade de esquecer o significado das palavras que se trata esse texto. É sobre o mísero fracasso que foi/é a minha vida. Então, vamos começar...

Eu fracassei quando eu deixei de sair pra caminhar contigo e fiquei sentado na frente do computador jogando Tibia, eu fracassei quando eu briguei com você por ter chegado um pouco alcoolizado em casa e ter ficado meia hora enrolando pra me contar uma história que, caso você estivesse sóbrio, levaria cinco minutos, eu fracassei quando te abracei ela última vez e não disse que te amava, eu fracassei quando não ouvi seu conselho dizendo "Lucas, vai fazer jornalismo que esse negócio de engenharia ai talvez não seja pra você." e quando eu abandonei o teatro. Quando eu desisto de tirar alguma música no violão, ou quando eu acordo de manhã e não quero levantar. São fracassos, pequenos, mas são. São insucessos decisivos na minha vida, são dias ou horas perdidos, são minutos ou segundos perdidos e quando o peso vem à tona eu só consigo pensar em você com aquele sorriso de pai bobo e orgulhoso me explicando o quão bom é me ver trilhando, sozinho, meu caminho. E eu acho que esse texto aqui surgiu de uma frase sua, dita há mais de uma semana que era exatamente o seguinte "Cara, cê nem imagina como é foda ser pai." sim, eu sei que a frase foi exatamente essa porque eu a transcrevi na base do copiar/colar direto do chat do facebook. Não pai, eu não imagino o quão foda essa experiência deve ser. Mas eu quero te falar uma coisa a qual eu acho que nunca falei. A culpa é toda sua... Se eu hoje escrevo, se hoje as pessoas me param e elogiam as coisas que eu escrevo, se eu ouço alguém me dizer que eu sou inteligente, ou que eu sou esperto, se alguém me diz que eu tenho futuro na área que eu escolhi, é por sua culpa. Você foi o grande filho da puta que sempre me apoiou, mesmo na hora que eu tava completamente perdido e disse que ia atrás de um emprego como peão em alguma fábrica ai em Três Lagoas. Você me apoiou e ainda aplaudiu de pé a decisão e viu que naquele momento eu, finalmente, estava deixando de ser só mais um moleque pra me tornar um projeto de homem. E agora estou aqui. Passei em outro vestibular e vim pra outra cidade, pra longe da família de novo, pra longe do seio das pessoas que me levantaram quando eu caí. Pra longe de você. E isso é uma merda. Já se passaram quase quatro anos desde Taiwan, já se passou um bom tempo desde que eu me "emancipei" e saí de casa, mas tem dias que a saudade aperta de um jeito que parece que meu peito vai implodir, parece que vai surgir um vácuo bem no lugar onde você um dia, brincando, arrancou um pouco dos seus pelos e colocou ali dizendo "Toma, uma mudinha... Vai crescer..." e nessas horas, sem ter outra opção eu escrevo. Eu escrevo... Entre outras coisas essa foi uma qual você me ensinou "Não desiste, moleque. Não para de escrever não..." e se hoje eu sei que o trabalho só acaba quando termina, que não é o rabo que abana o cachorro e que curumim não é cacique é por sua causa. Você não só me ensinou a ser gente, como vai me servir de base de espelhamento para quando eu for pai. Eu sei que tu não és o super homem, bem conheço seus erros e falhas como empresário, como publicitário, como qualquer coisa que for, mas como pai... Como pai você é impecável.

Toda noite eu saio da faculdade e venho como um raio pra casa só pra sentar na frente do computador e ver se você está online, ai você vira e fala "Uebah!" e eu fico feliz. É idiota isso, mas é real. É a versão invertida da criança que espera o pai chegar do serviço só pra ouvir o barulho do molho de chave girando na porta e o som do coturno batendo no piso de taco lá da casa do centro. Eu queria poder sentar contigo, tomar um tereré e te explicar sobre as diferenças entre os gêneros textuais, te falar do impacto da filosofia na colonização do país ou discutir sobre as influências da mídia nacional na nossa atual conjectura política. Eu procuro entender um pouco sobre concreto também, sobre construções e pré-moldados só pra ter papo, só pra poder passar mais tempo conversando com você.
É pai... Deve ser foda ser pai, mas viver longe do seu também não é fácil não e eu sei que dessa dor você entende. Daqui uns meses vai completar vinte e dois anos que o velho se foi e daqui mais alguns meses irão completar vinte e dois anos desde que eu vim ao mundo. O mundo é irônico, você perdeu seu pai e eu ganhei o meu. Mas eu posso te garantir que se ele ainda estivesse andando por ai é certeza que se orgulharia de você, não só como filho mas como gente. Porque eu me orgulho de você, eu me orgulho de ter do meu lado não um pai, mas bem mais do que isso. Não existe classificação, não tem como te rotular. Você é alguém quem eu posso chamar de filho da puta e ainda assim manter todo o respeito do universo, normalmente a primeira pessoa a saber de qualquer coisa que e acontece comigo, você consegue se enquadrar como pai, irmão, amigo e mais uma pá de outras coisas.
Então pai, eu posso não saber quão foda é ser pai, mas eu sei quão foda meu pai é.