Lá estava eu, sentado na varanda, numa cadeira de área com
os pés pra cima, tranquilo e sossegado brincando de jogar a bolinha pra Mitcha
pegar enquanto lia algum texto sobre as implicações da aplicação do
conhecimento adquirido através de pesquisas e estudos com raças alienígenas na
evolução da tecnologia humana pelo governo americano quando de repente chega a
Leia.
Mitcha pra quem não sabe é a minha cachorra, uma labrador meio onça, psicopata com sérios problemas de antisociabilidade. Ela é completamente anormal, não respeita nada nem ninguém, nem mesmo a regra número sete do jogo da bolinha que diz “Ao aproximar do seu dono, ainda com a bolinha na boca, balance a cauda em sinal de felicidade e solte a bolinha no chão e afaste-se.” em vez de fazer isso ela geralmente resolve tirar um jiu-jitsu com você e caso você ganhe, ela pensa seriamente se vai deixar ou não pegar a bolinha e arremessar de novo. Comigo isso não acontece porque normalmente quando ela chega com aquela cara alegre e a bolinha na boca eu pergunto “Mitcha! Quanto que é doze mais vinte e três?!” ai ela contrai a sobrancelha, entorta os olhinhos pra cima e abre a boca pra pensar, nesse momento a bolinha cai e eu pego. Mas tudo bem, ela é um ótimo cão de guarda e é linda, fofa, musculosa e capaz de arrancar o braço de qualquer retardado que resolva pular o muro às três da manhã pra roubar acerola.
Pra vocês terem uma noção da psicopatia do bicho, ela já atacou meu pai, quase arrancou o braço da minha mãe, deu uma voadora na minha irmã, tentou matar minha ex – me arrependo por não ter deixado – tentou arrancar meu braço com um maçarico, tentou derrubar a grade do cercadinho dela, enfim...
Acontece que eu tenho gatas. Quatro. Três fêmeas e um macho. Duas das fêmeas são adultas e o casalzinho é filhote. Ter quatro gatos e um cão em casa é algo normal. Ter quatro gatos e um cão psicopata em casa não é algo tão normal, mas tudo bem porque os gatinhos até mês passado não tinham descoberto que nós temos a varanda, nem que nós temos um gramado/matagal/bosque/floresta em frente à varanda. Mas tudo mudou de um mês pra cá. Meu pai quando projetou e construiu essa casa a fez pensando para ter a sua área externa mais usada que a interna, tanto que pro tamanho do terreno a casa é bem pequena, só a área coberta da varanda já é quase maior que a área interna inteira, isso sem contar o gramado, a garagem, a oficina e o quintal. Ou seja, é área externa pra caralho, o que é muito bom para pessoas, como eu, que adoram fazer festas, churrascos, guerras de bexiga d’água e outros eventos aleatórios psicodélicos retroalimentados pelo caos da existência humana na terra. Durantes esses eventos supracitados nós somos obrigados a prender a Mitcha, afinal de contas se deixar aquele monstro solto durante um churrasco é capaz dela comer a carne, comer o carvão, comer a churrasqueira, comer os convidados, eu, meu pai, o caminhão, as mangas, o pé de manga, o muro, o vizinho, a prefeita, o Serra, você, tudo. E pra evitar esse desastre a bichinha fica trancada em seu cercadinho que foi construído inspirado na área de contenção dos T-rex do Jurassic Park. Inclusive, o projeto tem a assinatura do próprio Steven Spielberg.
Com esses intervalos de tempo de horas, nas quais a Mitcha ficava presa, os gatinhos passaram a caminhar pela área externa da casa e descobriram um novo universo com grama, árvores, terra, areinha, passarinhos, grilos, cigarras, latinhas de cerveja, bitucas de cigarro e outras coisas mais. A Sindel – minha gata punk, rueira, briguenta, headbanger, pirata, caolha, satanista, assassina, encrenqueira, sem bigode (sério, ela não tem os bigodes), caçadora de pombos – por ver que os meninos já estavam explorando a área externa da casa achou que era de bom grado ministrar aulas de sobrevivência na selva e caça furtiva nível um para eles e começou a ensinar os bichinhos a caçar coisas cada vez maiores, a fugir de perigos eminentes e a subir em árvores. O problema é que toda vez que a festa acabava, antes de soltar a Mitcha eu tinha que sair caçando os filhotes e colocando eles pra dentro de casa, porque eu tinha medo que o projeto de onça-assassina quando visse os gatinhos resolvesse usar eles como bolinha no jogo da bolinha. Mas eles nunca colaboravam. Era incrível, eles estavam deitados tranquilos na varanda depois de uma exaustiva aula de treinamento militar furtivo anti-terrorista ou de sobrevivência na selva, mas bastava perceberem que o último convidado havia saído portão afora pra levantar rapidinho e ir se esconder e a cada semana era em um lugar completamente diferente, dentro do saco de carvão, dentro da gaveta de facas, dentro da embalagem da carne, dentro da geladeira, não importava o lugar o importante era por em prática os ensinamentos da tia Sindel. Eis que um dia eu injuriei e soltei a Mitcha com eles escondidos. Não era um desafio que eles queriam? Lá estava o desafio.
A Mitcha veio toda serelepe, sacudindo aquela cauda e farejando o quintal inteiro. Eu fiquei de longe só observando, pronto pra entrar no meio com uma cadeira, um balde d’água e uma AK-47, caso fosse preciso. Eis que um dos gatinhos, sem perceber o que estava acontecendo, saiu do esconderijo e foi andando calmamente até a porta da cozinha e entrou no raio de visão de Mitcha. A primeira coisa que eu pensei foi “Fudeu!” mas ela simplesmente não ligou, fingiu que não viu o bicho e continuou farejando procurando outra coisa. O gatinho então entrou na cozinha e miou, o outro gatinho que ainda estava escondido saiu do esconderijo (que dessa vez era dentro de um cano de pvc) e foi até a cozinha também. A dona Leia, lambeu a cabeça dos bichinhos e eu fechei a porta. Fim daquele dia.
Eu achei tudo aquilo muito estranho, mas tudo bem. Esses dias, eu estava trocando ideia com a Sindel, enquanto tirava umas pulgas dela e ela me explicou que a Leia levou a sério o nome que eu a dei, tomou minha casa como Alderaan e já estava chamando um dos filhos de Anakin e o outro de Jaina e, inclusive, tinha planos de matriculá-los em uma academia Jedi assim que conseguisse concertar o holofone dela... Eu fiquei meio confuso com aquela informação. A Sindel disse, inclusive, que a Leia estava puta porque ninguém aqui em casa a obedecia ou a levava a sério a não ser por uma exceção: a Mitcha. Sim, a Mitcha, o ser mais feroz e mortal dessa casa, tem medo da Leia. E não é um medo normal, tipo o que um crente tem de Deus, é um medo irracional. Quando elas passam uma pela outra, a Mitcha abaixa a cabeça e sai e mesmo assim a Leia ainda avança nela quase sempre. E esse fato faz a gente retornar para o início do texto onde eu dizia que estava do lado de fora de casa, sentado jogando a bolinha pra Mitcha quando de repente chegou a Leia. A Leia chegou sorrateira e calma, sentou do meu lado, olhou pra Mitcha e falou “Cão... É o seguinte: o estoque de calangos dessa casa não vai durar até o fim do verão e mesmo que durasse meus filhos estão muito grandes para se alimentarem de calangos, antes um calango e a quantidade de ração que o Lucas serve, dava para um dia inteiro, agora eu tenho que matar dois, futuramente terei de matar quatro e se eles continuarem crescendo assim, até 2016 não existirão mais calangos nessa casa, o que por um lado é bom pois a quantidade de baratas aumenta, mas baratas não tem um sabor muito agradável.”
A Mitcha olhou pra ela, soltou a bolinha e disse “Tá, e?” e a Leia com aquela cara de chata impassível fez a seguinte proposição “E que eu vim aqui te propor um acordo... A gente vai todo dia de manhã na lagoa caçar jacarés e divide a carne na proporção 80/20.” a Mitcha parou, pensou, fez os cálculos de cabeça, olhou pra mim e perguntou baixinho “Oitenta por vinte é quatro né?!” e eu balancei a cabeça em sinal de positivo e ela perguntou mais baixinho ainda “Quer dizer que pra cada jacaré que eu pegar, quatro são meus?!” eu balancei a cabeça positivamente de novo, só pra sacanear, mas a Mitcha foi mais esperta “Mas por que eu faria isso, não tenho nada contra jacarés e não gosto de carne de anfíbios!” argumento o qual foi prontamente respondido pela gata diplomática mais rápida de Alderaan “Porque os dinossauros foram responsáveis pela extinção dos meteoros, Mitcha... E todos sabem que os jacarés são dinossauros disfarçados e os meteoros precisam ser vingados.” a Mitcha então, percebendo que isso fazia parte de um plano maior, mais honrado e mais nobre, balançou o rabo em uma felicidade incontida, lambeu a pata estendeu à Leia e disse “Sendo assim, tudo bem. Você tem minha mandíbula à sua disposição. Negócio fechado.”
Mitcha pra quem não sabe é a minha cachorra, uma labrador meio onça, psicopata com sérios problemas de antisociabilidade. Ela é completamente anormal, não respeita nada nem ninguém, nem mesmo a regra número sete do jogo da bolinha que diz “Ao aproximar do seu dono, ainda com a bolinha na boca, balance a cauda em sinal de felicidade e solte a bolinha no chão e afaste-se.” em vez de fazer isso ela geralmente resolve tirar um jiu-jitsu com você e caso você ganhe, ela pensa seriamente se vai deixar ou não pegar a bolinha e arremessar de novo. Comigo isso não acontece porque normalmente quando ela chega com aquela cara alegre e a bolinha na boca eu pergunto “Mitcha! Quanto que é doze mais vinte e três?!” ai ela contrai a sobrancelha, entorta os olhinhos pra cima e abre a boca pra pensar, nesse momento a bolinha cai e eu pego. Mas tudo bem, ela é um ótimo cão de guarda e é linda, fofa, musculosa e capaz de arrancar o braço de qualquer retardado que resolva pular o muro às três da manhã pra roubar acerola.
Pra vocês terem uma noção da psicopatia do bicho, ela já atacou meu pai, quase arrancou o braço da minha mãe, deu uma voadora na minha irmã, tentou matar minha ex – me arrependo por não ter deixado – tentou arrancar meu braço com um maçarico, tentou derrubar a grade do cercadinho dela, enfim...
Acontece que eu tenho gatas. Quatro. Três fêmeas e um macho. Duas das fêmeas são adultas e o casalzinho é filhote. Ter quatro gatos e um cão em casa é algo normal. Ter quatro gatos e um cão psicopata em casa não é algo tão normal, mas tudo bem porque os gatinhos até mês passado não tinham descoberto que nós temos a varanda, nem que nós temos um gramado/matagal/bosque/floresta em frente à varanda. Mas tudo mudou de um mês pra cá. Meu pai quando projetou e construiu essa casa a fez pensando para ter a sua área externa mais usada que a interna, tanto que pro tamanho do terreno a casa é bem pequena, só a área coberta da varanda já é quase maior que a área interna inteira, isso sem contar o gramado, a garagem, a oficina e o quintal. Ou seja, é área externa pra caralho, o que é muito bom para pessoas, como eu, que adoram fazer festas, churrascos, guerras de bexiga d’água e outros eventos aleatórios psicodélicos retroalimentados pelo caos da existência humana na terra. Durantes esses eventos supracitados nós somos obrigados a prender a Mitcha, afinal de contas se deixar aquele monstro solto durante um churrasco é capaz dela comer a carne, comer o carvão, comer a churrasqueira, comer os convidados, eu, meu pai, o caminhão, as mangas, o pé de manga, o muro, o vizinho, a prefeita, o Serra, você, tudo. E pra evitar esse desastre a bichinha fica trancada em seu cercadinho que foi construído inspirado na área de contenção dos T-rex do Jurassic Park. Inclusive, o projeto tem a assinatura do próprio Steven Spielberg.
Com esses intervalos de tempo de horas, nas quais a Mitcha ficava presa, os gatinhos passaram a caminhar pela área externa da casa e descobriram um novo universo com grama, árvores, terra, areinha, passarinhos, grilos, cigarras, latinhas de cerveja, bitucas de cigarro e outras coisas mais. A Sindel – minha gata punk, rueira, briguenta, headbanger, pirata, caolha, satanista, assassina, encrenqueira, sem bigode (sério, ela não tem os bigodes), caçadora de pombos – por ver que os meninos já estavam explorando a área externa da casa achou que era de bom grado ministrar aulas de sobrevivência na selva e caça furtiva nível um para eles e começou a ensinar os bichinhos a caçar coisas cada vez maiores, a fugir de perigos eminentes e a subir em árvores. O problema é que toda vez que a festa acabava, antes de soltar a Mitcha eu tinha que sair caçando os filhotes e colocando eles pra dentro de casa, porque eu tinha medo que o projeto de onça-assassina quando visse os gatinhos resolvesse usar eles como bolinha no jogo da bolinha. Mas eles nunca colaboravam. Era incrível, eles estavam deitados tranquilos na varanda depois de uma exaustiva aula de treinamento militar furtivo anti-terrorista ou de sobrevivência na selva, mas bastava perceberem que o último convidado havia saído portão afora pra levantar rapidinho e ir se esconder e a cada semana era em um lugar completamente diferente, dentro do saco de carvão, dentro da gaveta de facas, dentro da embalagem da carne, dentro da geladeira, não importava o lugar o importante era por em prática os ensinamentos da tia Sindel. Eis que um dia eu injuriei e soltei a Mitcha com eles escondidos. Não era um desafio que eles queriam? Lá estava o desafio.
A Mitcha veio toda serelepe, sacudindo aquela cauda e farejando o quintal inteiro. Eu fiquei de longe só observando, pronto pra entrar no meio com uma cadeira, um balde d’água e uma AK-47, caso fosse preciso. Eis que um dos gatinhos, sem perceber o que estava acontecendo, saiu do esconderijo e foi andando calmamente até a porta da cozinha e entrou no raio de visão de Mitcha. A primeira coisa que eu pensei foi “Fudeu!” mas ela simplesmente não ligou, fingiu que não viu o bicho e continuou farejando procurando outra coisa. O gatinho então entrou na cozinha e miou, o outro gatinho que ainda estava escondido saiu do esconderijo (que dessa vez era dentro de um cano de pvc) e foi até a cozinha também. A dona Leia, lambeu a cabeça dos bichinhos e eu fechei a porta. Fim daquele dia.
Eu achei tudo aquilo muito estranho, mas tudo bem. Esses dias, eu estava trocando ideia com a Sindel, enquanto tirava umas pulgas dela e ela me explicou que a Leia levou a sério o nome que eu a dei, tomou minha casa como Alderaan e já estava chamando um dos filhos de Anakin e o outro de Jaina e, inclusive, tinha planos de matriculá-los em uma academia Jedi assim que conseguisse concertar o holofone dela... Eu fiquei meio confuso com aquela informação. A Sindel disse, inclusive, que a Leia estava puta porque ninguém aqui em casa a obedecia ou a levava a sério a não ser por uma exceção: a Mitcha. Sim, a Mitcha, o ser mais feroz e mortal dessa casa, tem medo da Leia. E não é um medo normal, tipo o que um crente tem de Deus, é um medo irracional. Quando elas passam uma pela outra, a Mitcha abaixa a cabeça e sai e mesmo assim a Leia ainda avança nela quase sempre. E esse fato faz a gente retornar para o início do texto onde eu dizia que estava do lado de fora de casa, sentado jogando a bolinha pra Mitcha quando de repente chegou a Leia. A Leia chegou sorrateira e calma, sentou do meu lado, olhou pra Mitcha e falou “Cão... É o seguinte: o estoque de calangos dessa casa não vai durar até o fim do verão e mesmo que durasse meus filhos estão muito grandes para se alimentarem de calangos, antes um calango e a quantidade de ração que o Lucas serve, dava para um dia inteiro, agora eu tenho que matar dois, futuramente terei de matar quatro e se eles continuarem crescendo assim, até 2016 não existirão mais calangos nessa casa, o que por um lado é bom pois a quantidade de baratas aumenta, mas baratas não tem um sabor muito agradável.”
A Mitcha olhou pra ela, soltou a bolinha e disse “Tá, e?” e a Leia com aquela cara de chata impassível fez a seguinte proposição “E que eu vim aqui te propor um acordo... A gente vai todo dia de manhã na lagoa caçar jacarés e divide a carne na proporção 80/20.” a Mitcha parou, pensou, fez os cálculos de cabeça, olhou pra mim e perguntou baixinho “Oitenta por vinte é quatro né?!” e eu balancei a cabeça em sinal de positivo e ela perguntou mais baixinho ainda “Quer dizer que pra cada jacaré que eu pegar, quatro são meus?!” eu balancei a cabeça positivamente de novo, só pra sacanear, mas a Mitcha foi mais esperta “Mas por que eu faria isso, não tenho nada contra jacarés e não gosto de carne de anfíbios!” argumento o qual foi prontamente respondido pela gata diplomática mais rápida de Alderaan “Porque os dinossauros foram responsáveis pela extinção dos meteoros, Mitcha... E todos sabem que os jacarés são dinossauros disfarçados e os meteoros precisam ser vingados.” a Mitcha então, percebendo que isso fazia parte de um plano maior, mais honrado e mais nobre, balançou o rabo em uma felicidade incontida, lambeu a pata estendeu à Leia e disse “Sendo assim, tudo bem. Você tem minha mandíbula à sua disposição. Negócio fechado.”