quinta-feira, 19 de setembro de 2013

"Eu..."

Era uma tarde de segunda ou terça-feira, não dava pra saber direito quando ou onde eu estava. Levantei a cabeça e a luz entrou de uma vez nos olhos, tornando o ambiente inteiro um borrão branco. Foi um tempinho até a visão se acostumar e eu perceber que estava sentado na mesa de um bar, mas não era desses botecos com os quais estamos acostumados, era um bar daqueles que aparecem nos comerciais da Heineken - cerveja, essa, que eu nunca gostei, por sinal.
Percebi que tinha alguém sentado diretamente na minha frente, na mesma mesa, me encarando com um sorriso amigável no rosto e tinha um cara do meu lado em pé com um pano no ombro e uma bandeja embaixo do braço. Havia algo realmente estranho naquilo porque as duas pessoas eram a mesma pessoa e pior do que isso, os dois eram eu. O que estava sentado aparentava ser um pouco diferente, sem barba, sem piercings, usando camisa social e gravata e com o cabelo curto do jeito que eu usava há uns meses - máquina dois ou três na cabeça inteira.

O Lucas que estava na minha frente foi quem iniciou a conversa com um sonoro "Boa tarde, bela adormecida..." e o garçom - que era eu também e trajava social completo, com direito a colete e relógio de bolso, mas com a barba bem maior e uns piercings a mais - deu uma risadinha e um tapa no meu ombro.
Eu, eu mesmo, sem entender nada fiquei encarando o Lucas que estava na minha frente que olhou pro garçom e falou:
"Me traz uma água e pra ele..." foi interrompido pelo garçom que completou "Um whisky..."
e o Lucas de camisa e gravata confirmou "É, a gente gostava de whisky nessa época." o que o Lucas Garçom replicou com um "Você gostava, eu ainda gosto..." com uma bela ênfase no você e eu, que estava ali sentado admirando o diálogo daquelas duas versões distópicas de mim mesmo, só balancei a cabeça num contido gesto de aprovação.

"Tá, e ai. Vocês são eu? Tipo, to numa realidade paralela onde o mundo foi tomado por um apocalipse zumbi, mas no lugar de zumbis eram Lucas e conforme eles mordiam as pessoas elas se transformavam em Lucas e dominamos o mundo?"

"Não, idiota... Eu sou você no futuro próximo e ele é você no futuro não tão próximo. Quer dizer, somos possíveis você dos futuros próximo e não tão próximo. Entende?"

"Yes, but this is a precise description of fuzzy mechanism." disse o Lucas garçom enquanto trazia meu whisky e a água.

"Loopers..."

"Eu assisti mais umas doze vezes, talvez mais." disse o garçom.

"É, eu também..." disse o Lucas de camisa.

"É... É o Joseph Gordon-Levitt com o Bruce Willis, gente. É tipo... Foda..."

"Nem tanto, cara. Mas ok."

"Então, me expliquem onde eu estou e que diabos está acontecendo..."

"É o seguinte, Lucas... Esse é o meu bar, o seu bar, o nosso bar. É um lugar que você, ou nós, ou eu, criamos e visitamos vez ou outra por uma razão muito simples: se encontrar. É que nesse exato momento o lugar está vazio, esse idiota engravatado ai te trouxe pra cá porque ele viu que você se encontrava em uma situação complicada e precisava te trazer de volta pro trilho. Existe um acordo entre todos nós e você e o acordo é simples: você não visita esse bar e nós não interferimos na sua vida. Simples assim."

"É bem isso que ele falou... Eu te trouxe aqui porque você está perdido. Ou quase. Eu te trouxe aqui pra mostrar o que vai acontecer com você, ou não. Tudo aquilo é maleável e moldável de acordo com suas escolhas, esse é o lugar onde todas as suas utopias, crises, futuros e passados se trombam, temos desde o Lucas casado, feliz e com filhos até o Lucas que está se matando pouco a pouco todo dia por não ser ninguém na vida. Esse lugar fica diariamente preenchido por engenheiros, escritores, músicos, piratas, assassinos, viciados, pastores, cozinheiros, donos de baladas, bares e restaurantes, tem todo o tipo de Lucas que você puder imaginar, com os mais variados estilos e cheiros, tem até um monge budista que abandonou tudo em uma viagem ao Laos. E você pode ser todos eles ou nenhum. Toda vez que você tem uma ideia nova e traça um plano novo, um Lucas novo entra por aquela porta e acha um lugar pra se sentar e com isso esse lugar cresce cada vez mais."
"Ok, entendi... Ele é o dono do bar, garçom, barman e contador de histórias. Ok. E você, quem é você?"

"Prazer... Eu sou o Lucas barboy do Favolosa..."

"Perai! Você sou eu daqui 40 dias?!"

"Não... Eu sou você daqui uns três ou quatro meses... Quer dizer eu sou uma das possibilidades de você. Tem um Lucas aqui que abandonou o navio na primeira semana, tem outro que ficou lá dentro pro resto da vida e hoje é um pica grossa dentro da Costa, esse louco ai que trouxe seu whisky fez quatro contratos, juntou dinheiro e abriu um bar em alguma cidade costeira de Europa ou da Ásia... Você entende como as coisas funcionam? Nós não somos você, somos possíveis você e só o que eu posso te dizer é que não tem caminho certo. Eu sou você daqui uns meses e estou rindo a toa enquanto divido minha vida em trabalhar feito um escravo mais de doze horas por dia e sair pras baladas do Rio. Mas esse sou eu e não você..."

"E por que você me chamou aqui então?"

"Pra te mostrar que de todos nós, poucos realmente não deram certo na vida, pra tirar de dentro de você esse medo escroto que você tem de não ser ninguém, de não concluir seus planos, essa mania besta de não fazer planos e achar que o destino vai estar sempre ao seu lado. Eu te trouxe aqui pra mostrar que você vai ser alguém, independente do caminho que você tomar, a menos claro que você escolha não ser ninguém. Foi como eu mesmo disse, existem versões suas aqui dentro que se mataram de solidão, existem versões que saíram de casa pra fazer um mochilão e morreram em um roubo besta, existem milhões e milhões de opções de quem você vai se tornar, mas só uma delas é realmente miserável e esse miserável nem frequenta esse lugar. Ele não aguenta vir aqui e ver que ele podia ter sido qualquer coisa, mas escolheu ficar aprisionado no próprio medo."

"E você acha que esse sou eu?"

"Não, mas pode ser... Quer ver como é engraçado? Alguns de nós ainda carregam a ideia de que a vida é uma espiral e de que somos uma pedra fixa, imutável e imóvel. Outros já tendem a achar que o caos tomou conta e que devemos ser uma metamorfose total, eu sou dessa segunda linha filosófica e pelo que eu ando vendo você também é... Isso é um bom sinal."

"Ok, mas eu sou o eu real..."

"Certeza? Olha em volta..." e foi então que eu percebi que eu estava assistindo a isso de outro lugar, vendo a cena acontecer na minha frente, em pé enquanto os dois conversavam sentados na mesa.

"Pera, eu tava ai e não tinha nenhum Lucas aqui!"

"É disso que eu to falando, a cada momento que você tenciona a mudar de ideia um Lucas novo nasce e nenhum Lucas morre... Porque a vida é feita de escolhas, ok, mas você sempre pode voltar atrás. É por isso que você acha que a vida é um ciclo infinito, você trabalha no sistema telefone de rolo, você volta pra ir pra frente em vez de simplesmente ir pra frente. Eu mudei um pouco, mas não posso garantir que você vá fazer igual, essas questões de passado, futuro e probabilidade são coisas complicadas."

"E o que eu faço com essas informações?"

"Primeiro você acorda... Depois você percebe que foi só um sonho e por último não volte mais aqui até que a gente te chame de novo... Ah! Lembre-se do seguinte: O navio balança pra caramba e o sol é forte, traz protetor solar... E emagrece, eu to sofrendo aqui quando eu posso sair do navio e ir pra praia do Rio, é foda arrancar a camiseta e ver essa pancinha..."

Ai eu acordei e fui lavar a louça...