Tem horas que eu queria ter nascido em algum cantinho esquecido de um daqueles países esquecidos que ficam naquele continente quase esquecido que é a África. Sim, sim, nascer em meio à fome e à miséria, nascer em meio à morte, nascer em um lugar onde ninguém desejaria nascer.
Claro que isso tem um motivo quase lógico... Ali as coisas são bem decididas, ali as pessoas sobrevivem e isso basta, você acordar no dia seguinte já é um bom sinal, já é motivo pra se alegrar, pra sair de casa e ir procurar comida e água, já que ali não tem.
Nesse mundo o qual a gente vive, com tecnologia, computadores, comida farta e água potável tudo perde a graça. Abrir a geladeira e tomar um copo d'água é algo comum pra nós, fútil. Os grandes problemas que temos são todos emocionais, familiares ou financeiros, a fome que temos é de poder ou dinheiro e nada é muito bem definido. Ninguém tem um motivo específico pra estar aqui, ninguém tem uma batalha a ser travada todo dia e isso gera confusão. Talvez seja essa a grande confusão da minha geração... O que fazer?
O mundo é vasto pra caralho, existem milhões ou infinitas possibilidades, de catador de lixo à gerente de uma multinacional e a grande maioria de nós nem sabe pra onde ir, nem por onde começar.
Essa história toda é só uma divagação do assunto principal desse texto que é, pra variar, alguma coisa relacionada à minha melancolia e o meu masoquismo emocional. Essa história toda de "Pra onde vamos?! De onde viemos?! O que queremos?!" é só pra encher linguiça e te prender até aqui.
O que eu tenho a dizer é que alguma coisa mudou. Pra pior. Sendo bem sincero...
Todos nós temos feridas e cicatrizes emocionais, algumas se fecham de maneira rápida, algumas nunca se fecham e algumas nós tampamos, fingimos que elas se fecharam e vamos aguentando a dor sem fazer cara feia até onde dá, na esperança de que ela se cicatrize no meio do caminho. Muitas vezes nós chamamos alguém pra cuidar dessa ferida sem que a pessoa saiba que está te prestando esse tipo de serviço.
E comigo, é claro, não haveria de ser diferente. Eu tenho os meus vários cortes os quais se negam a fechar e mais uma meia dúzia de punhados de cicatrizes que nunca me deixaram mais duro ou mais "resistente" às coisas. Acredito até que tenha sido o contrário, não tivesse eu tanta cicatriz marcando meu peito, talvez me tornasse outra pessoa. Somos fruto daquilo que vivemos e experimentamos ao longo do tempo.
Mas dessa vez alguma coisa mudou... E pra pior. Eu tentei negar ou esconder isso de mim, tentei fugir, tentei até mesmo me esconder, me enclausurar num casulo de mim mesmo, me fechar, tentar me recuperar, voltar, dizer oi pro mundo e "Tcharám! Estou bem!"... Mas não rolou. O corte foi mais fundo do que deveria ter sido, e como sempre ele foi cicatrizando lentamente, uma ajuda aqui, um auxilio ali, algumas cervejas com alguns amigos, alguns amores e outras coisas do gênero e quando eu olhei, era só mais uma cicatriz. Pelo menos em teoria. Mas eu rasguei o corte, arrebentei a sutura, me expus de novo. Eu acho que eu tenho um instinto emocionalmente suicida dentro de mim, alguma coisa que implora pra sofrer, algo irracional mesmo, eu chamava isso de amor e agora eu chamo isso de babaquice. Estão vendo o ponto que mudou?
A mudança acontece justamente ai. Em algum ponto da minha história e eu não sei exatamente onde, veio alguém com uma agulha finíssima e a enfiou no meio do meu peito. Não bastando o furo, a pessoa foi e injetou ali dentro uma pequena semente chamada desconfiança. E enquanto eu me distraia em um combate com uma hidra monstruosa que foi criada pelo meu ciúme e meu orgulho, a desconfiança ia crescendo. Eu resolvi matar meus monstros, mas esqueci de cuidar do jardim. A semente maligna cresceu, brotou ali dentro, no meio do vácuo que ficou onde antes eu tinha meia dúzia de emoções. E deu origem a algo o qual eu nunca quis ter, um mal o qual eu me neguei a aceitar que estivesse aqui dentro, um demônio que devia ter sido expulso de mim logo no início. O Medo.
Com M maiúsculo mesmo, o Medo por si só. A própria escuridão, a noite mais escura e mais duradoura da sua vida, com lobos uivando e correntes se arrastando, as criaturas ruins que surgem nos seus pesadelos, a falta de esperança, a luz no fim do túnel que se apaga quando você chega perto pra se acender em outro ponto. O Medo. E ele está tomando conta de mim.
Antes eu brandia as minhas armas, levantava meu escudo, batia com meu machado ali e gritava "VEM NIMIM!" pra qualquer coisa. Fosse o que fosse. Insegurança, incertezas, problemas emocionais, sofrimentos desnecessários. Eu abraçava tudo isso e arrancava cabeças, fazia o sangue negro desses monstrinhos jorrar por ai. Era um dos prazeres da minha vida. Mas arrancaram minhas armas. E o meu navio está à deriva, já faz um tempo.
O Medo, esse monstro vindo diretamente das profundezas do inferno, está consumindo tudo. Destruindo cada pedaço do que me resta. Os meus problemas não são de ordem financeira, emocional ou familiar, os meus problemas são de ordem cagaçal. São resultados da destruição causada por esse bicho ai.
É claro que a culpa é minha, como tudo o que diz respeito à mim mesmo. E a solução há de ser encontrada por mim também. Não quero viver assim, não quero ter o pé atrás, não quero sofrer por não querer sofrer. Até porque, quem tem medo de sofrer não merece o melhor da vida, já dizia Projota.
A verdade é que um pedaço meu perdeu a fé. Perdeu a fé naquilo que eu mais prego, perdeu a fé no que eu mais dou valor. Talvez isso faça com que eu me torne um pobre hipócrita, um ser humano cujas ações não condizem com as palavras. Talvez isso me torne um covarde, um rato fotofóbico que corre por ai à noite espreitando o mundo, com medo da luz.
Mas eu hei de achar solução. Armas novas, bebidas mais fortes, amores mais intensos, paixões mais incandescentes, eu hei de achar uma solução.
"E quando eu vejo esse monstro em baixo da minha cama
Tudo o que eu queria era o meu pai aqui pra me dizer:
É só o bicho-papão filho... É só o bicho-papão..."
Tudo o que eu queria era o meu pai aqui pra me dizer:
É só o bicho-papão filho... É só o bicho-papão..."