Eu estava dormindo, espalhado na cama, todo largado, só de cueca como sempre, semi coberto e de repente ela se jogou em cima de mim pra me acordar, aquilo não acontecia há um tempo e pra ser sincero, não estava sentindo falta.
"Não acorda! Espera mais um pouco! Fica ai! Eu quero conversar com você depois, mas só depois que você se levantar e você sabe muito bem que sou eu quem decide quando você se levanta."
"Sai dai! Sai de cima!" eu gritei, mas ela tapou minha boca e disse que era pra mim ficar, começou a fazer carinho na minha cabeça e quando eu percebi já estava dormindo de novo; às sete da manhã.
Acordei de vez, vi que eram duas horas da tarde, ela ainda estava sentada em cima de mim, me deu um tapa e eu voltei a dormir, fiquei mais duas horas dormindo e ai sim eu acordei e ela não estava mais no quarto. Entrei no banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes, principiei tomar um banho mas ela entrou e me puxou pra trás, me jogou na cama, eu lutei e a mandei ir se foder, sai da cama e fui pra cozinha, tinha uma pizza gelada do dia anterior lá dentro e meia garrafa de Dolly.
Comi um pedaço da pizza, tomei um pouco de Dolly, voltei pro quarto. Tinha uma mensagem no meu celular, respondi e logo depois de apertar o enviar ela voltou, entrou pelo quarto como se fosse um furacão, me jogou na cama de novo, eu empurrei de novo e disse pra sair dali e ela me bateu de novo, fiquei na cama uns segundos, mas voltei.
"Senta ai e me diz o que você quer... Depois de todo esse tempo você volta, como quem não quer nada, eu te despachei daqui na semana passada, você não vê que me faz mal, que eu não te quero, que eu nunca te quis?"
"Eu sei disso, mas eu preciso de você Lucas..." ela sabia que dizer meu nome pra mim mesmo era um artifício bem funcional, sempre funcionou, sempre baixou minha guarda, funcionou.
"Ok... Vem..." abri meu peito no meio com as minhas próprias mãos, de novo, rasguei ele, desparafusei os ossos da caixa torácica e a deixei entrar, direto. A velha ânsia, o embrulho no estômago, a confusão, aquela sensação de "que porra é essa?", tudo de novo. As mesmas sensações, nem parece que eu já a conhecia há tanto tempo.
E eles chegam, o marasmo, a mesmice e frase de alguém soando fundo na minha cabeça "Eu vou te chamar de buda, buda barbudo... Você parece com ele mesmo, fica sentado o tempo todo, na paz, sem se mover. Isso tem nome, é falta de atitude. Vai mudar quando?"
Vou mudar quando? Busco essa resposta também... Talvez psicanálise funcione, minhas psicopedagogas mentiram pra minha mãe dizendo que eu não tinha nada ou a minha mãe nunca me disse o mal que eu tenho, mesmo eu sabendo que no fundo no fundo eu sofro fortemente da Síndrome de Vagabundice Exacerbada.
Tem cura, é claro. Todo mal tem cura, o problema é que ela bate e entra e faz morada dentro de você. A vida fica mais sem graça, dormir é mais gostoso que tudo, o computador te conforta só em ficar ligado no seu colo, o Word vira seu psicologo, Legião volta a tocar e seu umbigo é o centro do universo de novo.
Tem cura? Tem, já disse. Começa sempre da mesma maneira, comigo dando o primeiro passo. O problema é que no meio do caminho ela volta, geralmente enquanto eu durmo e se joga em mim de novo. Essa tal dessa Conformidade ainda vai me afogar na minha baba enquanto durmo.
É aquela velha história... Um homem só deixa de ser menino quando para de fazer o que quer e começa a fazer o que tem de ser feito.
E eu não deixo de ser menino há, nada nada, dezenove anos. O pior é essa voz na minha cabeça dizendo "Relaxa, vive a vida, as coisas estão boas assim, não se mexe no time que está ganhando, vai se esforçar mais do que isso pra que? Desperdício de energia, espera, uma hora aparece um emprego legal. Espera, você tem sete anos pra se formar. Relaxa, você pode morrer atropelado por um ônibus daqui quinze minutos, não tem porque ficar correndo feito um louco, relaxa, senta e relaxa... Liga o note, joga um pouco, relaxa..."
Na verdade, o pior é eu escutar e acatar essas ordens... Um dia eu mudo, prometo pra mim mesmo... Um dia...