sábado, 31 de março de 2012

Célebros de açucar.

E então você acorda, para só então perceber que você ainda não acordou... A boca seca mesmo depois de quase cinco litros de água, a cozinha é uma zona intransponível, mesmo que na noite passada alguém tenha encarecidamente lavado a sua louça, as mãos estão mais secas que o temperamento da sua ex namorada que te dava patadas a troco de um oi há um ano atrás, a cabeça pesa doze quilos e não só os cinco habituais e o som dos carros na rua fazem ela doer mais... 


E você acorda, um gordo na cama do seu companheiro de quarto, roncando violentamente e é isso que te puxa pra fora dos campos oníricos. Uma vontade anormal de comer doce se apodera de você, não é você e você sabe disso, é algo maior te movendo em direção à qualquer pote de açúcar que houver por perto e lá se vou eu em uma cruzada semi-suicida cruzando ruas e praças, passando por uma árvore com um macaco de carro pendurado com uma placa em baixo escrita "Não alimente o macaco." atravessando bem no meio das duas tias que vinham de portão em portão perguntando se as pessoas tinham um minuto pra Jesus às oito da manhã de um sábado com um clima mais indeciso que o Mickey.


Padaria lotada, você não se importa com quem está lá ou o motivo, doce, doce, doce, é um alvo, um objetivo, doce!
"Moça, que dia é hoje? 31 ou primeiro?"
"É 31... Por?"
"Ah... Então eu ainda devo ter dinheiro."
"Hmm."
Doce, doce... Pão doce? Bolacha? Sorvete! Isso! Um pote de dois litros de sorvete, é isso! Vai matar a minha vontade de doce pelo resto da minha vida...
"Moça, vocês passam cartão?"
"Sim... Acima de cinco reais."
"Hmm, ok, esse pote de sorvete custa mais de cinco reais..."
"É... Pode digitar a senha."
"Moça, deu transação não autorizada."
"É, eu to vendo."
"Hoje é dia primeiro ou trinta e um?"
"Trinta e um" e ela sorriu, acho que percebeu que aquele zumbi - não o de palmares, o morto vivo mesmo - não estava com o cérebro a todo vapor ainda.
"Então o banco resolveu passar a mão na minha bunda um dia antes do habitual."
Ela sorriu mais dessa vez e eu sorri também, com as sobrancelhas arqueadas e aquela expressão de "Estou rindo, mas não sei o motivo ainda." e no cérebro a frase "Bip! Você está pobre! Bip! Alerta! Você está pobre e vai ficar sem doce! Bip!" ecoava, com a voz do C3PO.
"Ta bom então moça... Hoje é dia trinta e um... E eu to sem dinheiro..." cara de desolado, totalmente "então é isso... Abraço..." fiquei parado no mesmo lugar olhando pra ela, com cara de paisagem e com o cartão na mão "e bom trabalho!" coloquei o cartão no bolso, o tiozinho que estava atrás na fila fez aquele típico barulho com a garganta de quem está com pressa mas tem vergonha ou medo de dizer para o estranho na frente dele para ir mais rápido, sabe como as coisas andam hoje em dia né? Você fala algo pro cara na fila e no dia seguinte ele está estuprando seu cachorro ao som de algum funk em um beco qualquer e o vídeo vai parar no youtube e fica difícil explicar pro seu filho de oito anos como o Bob morreu... "Ele foi atropelado filho, ele está com o papai do céu agora, em um lugar melhor, cheio de ossos gostosos e bolinhas que quicam infinitamente, um lugar onde ele não faz cocô no carpete..."



E eu fui embora, talvez ela tenha um bom dia, talvez não, talvez eu continue com a vontade alucinada de comer doce, ou pode ser que eu devore um pote de nescau com leite moça... Quer dizer, um pote de leite condensado com achocolatado pra não metonimiar as coisas, ou aliterar, ou soletrar, sei lá qual a figura de linguagem que representa isso.


Voltei pra casa na ideia de dormir infinito, mas meu computador me chamou dizendo que o mundo precisava saber dessa epopeia quase épica desse lindo sábado...


E você com isso né? Triste...