quarta-feira, 14 de julho de 2010

"Lord."

Era só um telefone azul, parado e queito dentro da sua cabine amarela com aquela cara de telefone e todos os seus botões com números e suas caras de botões com números e ele tocou.
A princípio eu não entendi direito, ele tocou mas o toque era diferente, era um zumbido. Fiquei encarando ele e o fone pulou pra fora do gancho e de dentro dele uma fumaça começou a sair e ela se materializou se tornando uma mosca bípede.
Ela balançou a cabeça para os lados e passou a mão nos olhos como quem acaba de acordar, esticou o corpo e eu pude ouvir seu exoesqueleto estralar, abriu as asas, deu um cheiro e fez cara de quem não gostou, enfiou a mão dentro do fone que estava alí pendurado pelo fio do telefone como se fosse uma penca de alguma fruta estranha de uma árvore mais estranha ainda, um pé de telefone, e de lá de dentro tirou uma bolsa da Luíz Vitão.
Abriu a bolsa com toda a sua calma e tirou de dentro um tubo de Rexona, abriu as asas de novo e nessa hora até eu senti o cheiro e a coisa tava feia, deu aquela boa borrifada de desodorante de baixo das asas e depois debaixo de todos os seus braços, voltou ele pra dentro da bolsa e tirou de lá de dentro um Rái Bam, colocou os óculos na cabeça, um pouco acima da testa e ficou caçando algo dentro da bolsa por um tempo. Puxou lá de dentro um pacote de chiclete, pegou um e se pos a mascar, olhou pra mim e esticou o braço com o chiclete como quem diz: "Quer?" eu, com meu note no colo enquanto ouvia música e digitava algo balancei a cabeça sinalizando um sim. Ela veio até mim e perguntou se tinha alguém sentado ao meu lado, eu falei que não e tirei o meu terno do banco ao lado onde ela se sentou e meu deu o chiclete.

Desde a hora que ela perguntou sobre o assento eu já havia percebido que não era uma mosca e sim um mosco, macho. Ele sentou, mascou um pouco do chiclete e falou: "Ai bixo, cê não se importa deu fumar não né?" eu balancei a cabeça dizendo que não, ele riu e perguntou: "Cê é sempre quieto assim ou só não é muito chegado em mosca?" eu balancei a cabeça dizendo que não, sem tirar o olho da tela e sem parar de digitar enquanto ele acendia seu Malboro mal cheiroso e ficava alí a tracar, segurar e soltar aquele fumacê.
Continuei a minha digitância até ele virar e falar: "Esse porque ai é separado bixo, é uma pergunta poxa..." eu balancei a cabeça dizendo que sim e agradeci e continuei escrevendo até que eu cansei, fechei o bloco de notas estiquei o corpo, levantei, dei uma estralada nas costas e sentei de novo.
Ele perguntou de onde eu era, falei que era brasileiro e ele riu de mim comentando sobre a copa e falando: "Que fiasco hein bixo?" eu concordei e já imendei dizendo que eu era uma negação no assunto futebol, ele falou que amava futebol e que era técnico da seleção das moscas de bagdá e que já havia sido técnico treinando um time de pulgas mas que não dava muito certo não porque quando o goleiro sempre errava a força do pulo e acabava saindo do campo toda vez que ia fazer uma defesa, além do fato de que cachorros não davam um bom gramado para jogos de futepulga.
Comentou também que tentou treinar um time de bezouros para jogar futebol americano e que eles haviam se dado muito bem na United States Bug's League ano passado tendo um alto destaque nesse esporte que é tão agressivo.

Ele me perguntou se eu tinha o hábito de conversar com insetos, animais, plantas e toda sorte de seres não humanos e eu disse que sim e ele concluiu dizendo que era realmente bem estranho alguém não estranhar quando ele começava a falar. Disse que a maioria das pessas acha que é um sonho ou efeito de alguma droga e ficam meio perdidas mas que comigo a coisa fluia naturalmente.
Contei pra ele sobre a minha primeira experiência que foi conversar com aquela barata aqui em Taiwan e que desde então os meus ouvidos estavam sempre abertos à conversa com ratos, baratas, pernilongos, abelhas, lagartixas, jacarés e moscas. Eu fiquei meio confuso e perguntei como ele tinha feito para se materializar de dentro do telefone, ele falou que é uma técnica mosquense que não pode ser ensinada aos humanos, eu insisti mas ele falou que não era não e que o trêm dele estava chegando, levantou, apertou minha mão e foi embora.



Beijos beijos
Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan.