Mas então meu povo, estou em Taipei e sem a menor vontade de escrever sobre qualquer coisa...
O que eu tenho a dizer sobre hoje? Veremos... A Maria foi embora. É, a mexicana meio americana que nós de Hualien tanto amávamos, sem sombra de dúvidas a melhor texana do mundo!
É meu povo, é o intercambio chegando ao fim e o povo indo embora e a gente vendo que daqui uns dias seremos nózes quem passaremos pelo portão de embarco para pegar nossos aviõzinhos e cair de volta nos colos de nossas mães...
Vendo assim por fora é algo até que legal e aconchegante, voltaremos pra casa, reencontraremos amigos e parentes, comeremos a tal "comida de verdade" da qual todos nós falamos e viveremos, por uma semana ou menos, a vida que passamos um ano inteiro imaginando.
Acontece que se a gente parar pra olhar de forma mais aprofundada vamos nos deparar com o fato de que daqui umas semanas, dias para alguns, meses para outros, nós estaremos em casa...
Isso, em casa. Sem Luxy, sem Babe 18, sem Lava, sem Sparks, sem Shueidjao, sem Apple Sidra, sem internet wireless em todo lugar, sem toda a loucura de se viver em um país onde você simplesmente é um estrangeiro tentando fagocitar a cultura alheia.
E é nessas horas que você começa a entender que o simples ato de entrar em um portão de embarque deixa de ser um simples ato e passa a ser quase que um rito de passagem, um sinal que irá mostrar ao mundo que você não é mais aquela criança que deixou seus pais chorando no aeroporto e que agora você volta, ressurge como o mais novo ex-intercambista do mundo, você regressa à pátria mãe e por um tempo vai ter de passar por todo aquele processo de reassimilar toda a cultura que um dia foi sua mas que agora não é mais.
O mais legal é que com tudo isso vem as imagens das coisas que foram passadas, a noção de que um ano é tempo suficiente para construir e destruir amizades e que as reais amizades vão perdurar pelo resto das nossas vidas. É meio clichê falar sobre isso porque todo santo ser humano fala que as amizades reais são eternas e no fim a gente sabe que elas não são eternas por serem reais e sim reais por serem eternas.
É isso, elas não duram para sempre por serem reais, elas são reais por durarem pra sempre.
Facilmente compreensível, amigo que é amigo vai estar do seu lado independente da situação e é esse compromisso de estar eternamente ao lado, mesmo que não fisicamente, um do outro que faz da amizade algo real, compreenderam?
Voltando à linha de raciocínio mais simples... A gente olha pra trás e vê tudo aquilo que se passou, vê em câmera lenta daquele mesmo jeito que os filmes mostrar que nós veremos quando estivermos próximos da morte e fazendo essa comparação você vê que no fim o intercâmbio é isso mesmo, é uma morte. Ele te mata e te faz renascer mais você do que nunca, você aprende a conviver consigo mesmo durante esse tempo, você não só aprende, como é obrigado a enfrentar os seus medos e manias e todas aquelas paranóias negativas que vieram contigo na bagagem.
Você se vê obrigado a largar tudo pra trás e viver a vida do jeito que você foi feito pra viver, e é nessas horas que você vai enfrentar dúvidas tanto reais quanto simplesmente psicológicas sobre você mesmo, sobre o mundo, sobre a sua concepção de família e amigos e sobre a vida em si.
E te garanto que muita coisa muda, eu que já fui ateu me peguei rezando algumas vezes, eu que sempre fui um centro de calmaria me vi explodindo em meio a toda a ira do mundo, eu que sempre fui anti-tabaco me peguei com um cigarro nojento e fedorento na boca fumegando aquela fumaça louca que me encrespa o nariz, eu que nunca fui de beber me peguei bêbado algumas vezes e até mesmo eu duro do jeito que sempre fui me vi dançando até o chão ao som de alguma música que eu nunca tinha ouvido antes. Todo mundo diz que não sabe o que o amanhã vai te trazer, mas quem vive em meio a uma rotina sempre prevê que o dia seguinte vai trazer as coisas mais ou menos do mesmo jeito que foram no hoje mas aqui a coisa é diferente, você pode acordar em Yuli e ir dormir em Taipei sem aviso prévio, você pode passar a manhã toda em frente ao seu computador ou simplesmente ir aprender a cozinhar, você pode se pegar deitado com duas meninas em uma cama sem fazer a mínima idéia de onde está sua camiseta mas vendo claramente que a cueca está pendurada no ventilador de teto.
As coisas ficam diferentes e mais legais, você sente a vida evoluir, você sente as coisas correrem e vê que viver não é simplesmente seguir um caminho em linha reta, a vida é sim um rio cheio das corredeiras e pra quem sabe remar e acertar o rumo do barco é um prato cheio de diversão, emoção e mais uma pá de indescritíveis experiências que você só aproveita, sendo intercâmbista.
Não, você só aproveita se estiver vivo, no sentido real da palavra. Vivo e vivendo, sentindo a vida fluir a cada dia que passa, entendendo que você pode morrer a qualquer momento mas esse momento não é agora.
E então, ai eu deixo a questão para vocês mesmos responderem:
Vocês estão vivos ou são meros zumbis da tal chamada vida? Olhe no espelho e indague a si mesmo, obtenha a resposta e se ela for um não lave o rosto e vá viver meu filho. Foi pra isso que Deus te pois no mundo.
Beijos beijos.
Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan.
O texto era pra falar sobre despedida mas eu me perdi no meio do caminho, ficou meio "dissonante" mas acho que esta valendo. :)