O trêm, os bandoleiros, o mar e o cobrador...
Estavamos todos felizes e contentes, indo de trêm pra Taipei, eis que de repente da um solavanco e o trêm para. Eu, estava com os fones no ouvido e lendo quadrinhos então nem me atentei muito pro que se passava ao meu redor, foi ai que eu ví passar ao lado do trêm uns cavalos, correndo e achei aquilo meio estranho... A princípio eu achei que era só algum problema na linha e que os caras à cavalo eram da via férrea e estavam lá pra resolver a coisa, a porta do meu vagão abriu e eu continuei com os fones no ouvido, uma vóz feminina dizia: “There is no turning back, there is no turning back, there is no turning back” e de repente entrou umas batidas e tchururum tchururum e logo em seguida um piano e um baixo e a batia eletrónica se seguia atrás, enquanto isso entra no vagão um ser estranho chamou a minha atenção porque quando entrou muita gente fez barulho, o vagão todo se alertou como se algo bem anormal estivesse acontecendo. Nessa hora eu movimentei a minha cabeça pro lado, em direção ao corredor e pude ver lá no fim um sujeito estranho, devia ter um metro e oitenta e três mais ou menos, pesava nada nada uns cento e vinte e dois quilos, olhos puxados e o resto do rosto escondido por um tipo lenço, parecia um bandido de faroeste americano mas com olhos puxados e armado com uma espada chinesa no lugar das pistolas que eram usadas no velho oeste. Entrou e começou a falar em chinês, foi quando eu me dei conta de que havia algo estranho no ambiente, minha música não tocava mais, o meu notebook não existia mais, era um jornal, eu não estava trajando minha jeans rasgada, nem minha camisa xadrez, e tudo o que o maluco falava em chinês era nítidamente compreendido por mim.
Eu entendia ele, entendia que ele queria a nossa grana e entendia que aquilo era um assalto à um trêm taiwanes, o que eu não entendia era: “Como eu vim parar aqui?”
Olhei pro meu lado e ví o Guilherme, mas ele não parecia ser como ele normalmente é. Usava roupas antigas, meio surradas, empoeiradas. Uma casima xadrez azul, uma bombacha empoeirada, um poncho por cima e um par de botas, o mais estranho é que ele era barbudo e os olhos agora eram azuis e não marrons. Olhei pro outro lado, e ví o Ricardo, que também não estava com sua camiseta preta, nem lia um livro. Estava usando um sombreirão estranho, e uma veste típica de mexicano, carregava com ele uma espingarda e uma bíblia. Atrás de mim tinha um índio colombiano estranho, com um arco no colo, um cocar na cabeça, e umas pinturas no rosto, parecia muito com o Juan.
E tinha uma espécie de cantora de ópera, gorda, sentada ao lado do Ricardo, com roupas de cantora de ópera, quieta, amuada, lembrava a Alice. Eu? Ao que eu ví eu usava uma roupa de monge chinês, sapatilhas de quem luta kung fu, calças largas pretas e aquelas camisas estranhas.
Eu ainda não entendia a situação, mas fiquei ainda mais confuso quando ouvi um grito de: “Yaaaaaah!” e ví um chinês passando correndo pelo corredor e acertando uma voadora com os dois pés no peito do maluco que estava com a espada, lembrou muito o Jackei Chan.
A confusão estava armada, os dois começaram a lutar no meio do vagão e era espadada pra cá e porrada pra lá e eu pensando em fugir, de repente o cara que estava do meu lado virou e falou algo pra mim, eu pude perceber que ele falava inglês e que eu entendia inglês. A ficha foi caindo aos poucos, eu não era mais “Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan” no ano de 2010, na nossa realidade. Eu estava de alguma forma em outro lugar, em outro tempo, talvez o trêm onde eu tenha entrado acelerou de mais e criou um lápso temporal que me jogou pra outro lugar ou talvez eu nunca houvesse vivido nisso que vocês chamam de realidade, talvez a realidade de vocês não seja a minha e essa realidade paralela seja a minha realidade. Talvez essa seja a verdade e a frase “There is no turning back” nada mais fosse do que um gatilho que me empurrasse para minha real dimensão.
De qualquer forma, o gaúcho que estava do meu lado falou comigo e eu entendi o que ele queria, estavamos sob ataque, estavamos sendo assaltados, tinha um mestre de kung fu lutando com um bandido chinês e nós não podíamos ficar alí parados, pulei do meu assento e saí em auxílio do velhinho lutador de kung fu, porrada pra lá, porrada pra cá, espada voando, mais bandidos chegando. De repente o mexicano levanta e da um tiro pro alto, a cantora de ópera grita, quebrando as janelas do vagão, o índio colombiano levanta e começa a dançar a macarena. Eis que aparece então um alemão maluco, usando óculos e carregando uns livros de baixo do braço, com roupas que me fazem lembrar professores de faculdade. Eu sinto uma fisgada no ombro, olho pro lado e na verdade eu estava sentado no meu assento. O cobrador me estende a mão e fala: “O ticket por favor.” eu entrego pra ele, ele carimba, me devolve, eu guardo no bolso da minha camisa e volto a ouvir música e admirar o mar pela janela sem saber se tudo aquilo foi só um vislumbre do inimaginavel ou se foi mesmo a mais pura e real realidade com pleonasmo e tudo mais.
Beijos beijos,
Lucas Casasco, um brasileiro em Taiwan.