Terça-feira, cinco da madrugada em Taiwan. Lucas Casasco vai dormir.
Terça-feira, sete horas da manhã em Taiwan. Lucas Casasco acorda para ir pra aula.
Duas horas de sono é o suficiente. Pra descansar? Não... Pra transformar uma aula de cooking em uma carnificina sem dimensões.
Acordei com a minha mãe batendo na porta, a essa hora o despertador já devia estar apitando a mais de meia hora e eu ainda não havia levantado, minha mãe bateu na porta e eu acordei, desliguei o despertador e voltei a dormir, of course. Acordei de novo com o telefone tocando, era minha mãe dizendo que já havia levado meu irmãozinho pra escola e que estava me esperando no andar de baixo com o meu café da manhã. Um lanche – um X-Frango taiwanês, sem o molho do Cidão e o abacaxi – gostoso pra caramba que ela compra em uma lanchonete próxima à escola do Djauei, meu irmãozinho, o nome dele é Xiang Dia Wei, ou algo próximo a isso. Eu sempre associei o nome dele ao Alexandre. Afinal de contas, se você falar muito rápido o nome dele vai virar: Xandi Away.
Abri a geladeira e descolei uma coca-cola lá de dentro, o suco de laranja acabou ontem a noite, preciso comprar mais. Não que eu não goste de coca-cola, mas é que eu prefiro o suco de laranja.
Comi o sandubex, tomei a coca, pedi trinta dinheiros taiwaneses pra minha mãe e comprei um café no super mercado que fica na frente de casa. Meus olhos nesse tempo todo estavam semi-cerrados, eu me movia por pura vontade divina, não era eu.
Voltei pra casa e mamãe me levou pra escola.
Cheguei na escola e fui direto pro restaurante, terça é aula de culinária chinesa. Cheguei lá por vontade divina também, não lembro de quase nada. Cheguei, sentei e esperei.
De repente eu vejo uma das minhas várias musas inspiradoras, a menina dos negros olhos negros. O olho desse ser humano é tão preto, mas tão preto, mas tão pre... Perai, preto não, afro-descendente. Mas então, é tão afro-descendente que chega a dar medo de olhar. As vezes eu acho que não são dois pares de olhos e sim dois buracos negros, é complicado encarar ela por muito tempo e os resultados são meio catastróficos.
Mas hoje eu estava com sono e esqueci desse detalhe. Olhei e ela olhou de volta, em menos de cinco segundos o meu professor havia se transformado, não era mais um professor, era um açougueiro, os repolhos agora eram cérebros humanos e ele os cortava em oito pedaços cada.
O Jolie (uma bixa estranha que acha que é uma estrela da música pop) era um robo que não parava de falar “Mimimi, mimimi, mimimi.”
Havia também dois alienígenas sentados próximo à ele e os dois meninos aborígenes da sala agora eram uma tribo de índios taiwaneses e a cada segundo que se passava a coisa ia ficando pior.
De repente a porta desapareceu, os livros criaram dentes, a menina do meu lado começou a grunhir histericamente, foi então que eu apelei pro meu último recurso, a única coisa que eu sabia que me tiraria da realidade e me traria de volta à Matrix, o café! Ele estava no mesmo lugar que eu deixei, dentro da mochila, ainda estava gelado porque não fazia nem meia hora que eu havia comprado. Abri a garrafinha e mandei pra dentro. O primeiro gole já surtiu efeito, o gosto amargo na hora que acertou a minha língua já fez o robo virar bixa de novo, com o tempo eu fui terminando de tomar e os efeitos psicossomáticos de encarar os negros olhos negros da menina dos olhos negros foi passando.
Agora eu voltei pra biblioteca, pensei e pensei mais um pouco, pesquisei coisas entre os livros empoeirados que ficam no andar proibido da biblioteca, vasculhei uns antigos tomos que foram escritos pelo próprio Confúcio e cheguei a conclusão de que, por estarmos perto de 2012, a cada dia que passa novos portais se abrem e eu acabo entrando neles e sendo levado para a Real Realidade.
Espero que eu sempre consiga voltar de lá, a realidade é feia. Prefiro viver aqui ou lá na Lucolandia.
Lucas Casasco.